Craotchky 09/11/2019"Ora, a idade da razão é a idade da resignação."
"Existir é isso: beber-se a si próprio sem sede."
Penso cá comigo que, ao sinalizar "segunda Guerra Mundial, crise político-social da época e vida burguesa" a sinopse deste livro pode passar a ideia de que A idade da razão aborda estes temas em preferência. Todavia eles são praticamente nulos e só aparecem como um plano de fundo muito tênue, quase translúcido. O livro é sobre pessoas, sobre as incongruências de cada uma e suas relações consigo mesmas, com os outros e com a vida. Lembra um pouco A insustentável leveza do ser, de Kundera.
O livro começa levemente esquisito no que se refere a narrativa. O primeiro pensamento que me veio foi: "Percebe-se que Sartre não é um exímio romancista". De fato, achei o início estranho. O leitor é jogado em diálogos sem ter havido uma contextualização prévia. Temo não me fazer claro e não conseguir explicar exatamente esta minha primeira impressão. O que quero dizer é que, dada a estrutura narrativa deste livro, me pareceu que o filósofo Sartre não tem o cacoete próprio dos romancistas.
Contudo, rapidamente me adaptei ao estilo e consegui entrar na história. A partir daí o livro melhorou progressivamente. A narrativa intercala muitos diálogos com vários trechos de desenvolvimento introspectivo dos(as) personagens, seus dilemas, suas reflexões. Meio que cada capítulo foca um(a) personagem, de tal forma a intercalá-los(as) também. Com isso, o leitor(a) conhece essas(es) personagens aos poucos, em pequenas doses, ao longo da leitura. A rarefeita trama também vai sendo assimilada assim, gradativamente.
"Esvaziei-me, esterilizei-me para ser apenas uma espera. Agora estou vazio. Mas não espero mais nada."
Os(As) personagens são muito diferentes e é interessante acompanhar as relações entre eles(as), as diferenças de opiniões, de visão de mundo, de comportamento, de percepções acerca das relações... Além disso, cada um(a) possui aquela teia de emoções/sentimentos/afetos que fervilha em ebulição no interior de todo ser humano dotado de consciência e que, não raro, são contraditórios e/ou conflitantes. Em suma, todos os elementos intrinsecamente humanos que permeiam a vida cotidiana. Sartre faz isso bem e, claro, insere reflexões existenciais nesta mistura.
Porém, além dos dilemas humanos e reflexões, que adoro, me agradaram alguns trechos que carregam beleza estética nas descrições (okay, sei que isso é muito subjetivo). As palavras que ele usa para descrever determinado pensamento ou sensação são agradavelmente incomuns. Talvez dizer que essas partes me lembraram muito o estilo de Clarice ajude na tarefa de tornar mais claro o que quero dizer com "beleza estética". (Ao menos para quem já leu Clarice.) Jamais imaginei achar isso neste livro. Entretanto, infelizmente, essa quase prosa poética foi aos poucos escasseando, não durou muito. Uma pena.
Enfim, o livro se constitui de altos e baixos, isto é, bons e maus momentos. Não é uma leitura regular. Penso realmente que Sartre, por não ser romancista, peca ao manejar sem perícia a narrativa que neste caso exige características específicas por se tratar de um romance. Um último trecho:
"Eu, tudo o que faço, faço por nada; dir-se-ia que me roubam as consequências de meus atos, tudo se passa como se eu pudesse sempre voltar atrás. Não sei o que não daria para cometer um ato irremediável."