João Moreno 29/08/2020Centro e periferia: estudar as cidades para entender o desenvolvimento capitalista
Em ‘A urbanização desigual: a especificidade do fenômeno urbano em países desenvolvidos‘, Milton Santos (2010), em texto de 1980, ao tentar responder a pergunta(s) – (há semelhanças entre a urbanização dos países industrializados* e subdesenvolvidos? As proximidades desses fenômenos são suficientes para caracterizá-las como fenômenos parecidas? Quais as especificidades de ambas?) -, descreve os processos de urbanização dos países ricos e pobres. Ao discutir as suas desigualdades, avança e apresenta como a diferença de urbanização entre centro e periferia capitalista foi a responsável pela reprodução da riqueza e da pobreza.
Para Santos (2010), as cidades dos países ricos são centro de acumulação de riqueza e poder. A urbanização, que aconteceu durante o século XIX, seria, nas palavras de Santos (2010), epifenômeno de um processo de desenvolvimento. O desenvolvimento industrial com as Revoluções Industriais propiciou a geração de um Setor Terciário bem desenvolvido. Houve, concomitantemente, a redução de empregos na agricultura que, por sua vez, ao se modernizar, elevou a sua produtividade. As cidades, nos países desenvolvidos, por estarem totalmente integradas através do transporte ferroviário – fundamental ao desenvolvimento capitalista -, se desenvolvem de forma mais ou menos homogênea. Todas essas favorabilidades se somam à relação de dependência dos países do Terceiro Mundo que, como colônias, funcionam como motor de desenvolvimento das cidades industrializadas, transferindo riquezas e, à época, exportando commodities e absorvendo produtos manufaturados.**
Por sua vez, a urbanização dos países subdesenvolvidos, diz Santos (2010), não guarda relação com o desenvolvimento econômico de sua sociedade, ao contrário, trataria-se de um fenômeno demográfico. Como não planejada e sem uma transição controlada, sem o excedente populacional sendo absorvido por setores complexos da economia, conforme apontou o geógrafo sobre as cidades industrializadas, as cidades do Sul Global, colonizadas, sem integração férrea porque as ferrovias foram pensadas para
1) exportação de commodities aos países colonizadores, logo, a integração, necessária ao desenvolvimento, ficou restrita às rotas dos produtos exportados;
2) como o investimento em infraestrutura não é endógeno e parte de capitais estrangeiros, esse aporte, não planejado, serve mais como rentabilidade de capitalistas dos países industrializados do que como plano de desenvolvimento das colônias para a sua futura integração.
, seriam responsáveis por criar um grande contingente populacional, empregadas no Setor Terciário de baixa qualidade, uma vez que, como a transição entre mundo rural e urbano é abrupta, as pessoas são jogadas na cidade sem formação e ou capacitação numa cidade também sem capacidade produtiva para empregá-las e integrá-las. Às margens.
Inúmeros outros dados poderiam ser apresentados, aqui, sobre a ‘Urbanização Desigual’. Gostaria de lembrar por fim o que Milton Santos já chamava a atenção, na década de 1980: as estruturas socioeconômicas e as características que especificam os setores industrializados e subdesenvolvidos: a “qualidade” dos Setores Secundários e Terciários dos diferentes países e como os países ricos são ricos também porque empregam, até hoje, mesmo com as mudanças produtivas impostas pelo Toyotismo, uma galera nos Setores Secundários e Terciários de qualidade e de alta tecnologia.
Dá para comparar a produção da Samsung ou da Xiaomi com fábrica de calçados no interior do Ceará? Dá pra comparar o setor de serviços ultracomplexos dos países ricos com motorista de Uber ou com a barbearia gourmet, brasileira? Lá em 1980 Milton Santos já dizia que não…
“A situação inicial nos países subdesenvolvidos foi inteiramente diversa. Antes de tudo, as cidades não têm como característica a produção manufatureira, que continua muito pequena. Em seguida, se a cidade tem como função essencial a exportação das matérias primas ou de produtos que sofreram uma primeira transformação, esse comércio muitas vezes não apenas está longe de beneficiar a cidade como, também, pode contribuir para o seu empobrecimento e o da zona rural. Esse resultado prende-se ao fato de que a cidade dos países subdesenvolvidos não é senão um elo intermediário entre os países dominantes e as zonas rurais duplamente dominadas. Assim, ela é muito mais um lugar de passagem de homens, mercadorias e capitais do que um lugar de produção. Isso acontece ou porque nos países subdesenvolvidos, o processo de criação urbana tem origem externa ou porque a urbanização tem origem interna em relação aos países e mesmo, muitas vezes, à região
Nos países industrializados, a cidade é instrumento de acumulação de recursos e de poder, enquanto nos países subdesenvolvidos é apenas um instrumento de penetração e levantamento de riquezas” (SANTOS, 2010, p. 105-106).
* Note que a noção de riqueza e desenvolvimento de Santos (2010) está vinculado à indústria, ao setor manufatureiro, secundário. Note, também, que, na Opinião Pública, o desenvolvimento do país abdicou de Política Industrial. É quase um crime! Estamos, há 30 anos, em maior ou menor grau, aplicando o Consenso de Washington por aqui.
** Falo do século XIX ou de 2020?
site:
https://literatureseweb.wordpress.com/2020/08/29/o-que-milton-santos-quis-dizer-por-a-urbanizacao-desigual/