jota 22/10/2022MUITO BOM: Hemingway contista em grande forma ao narrar histórias protagonizadas por Nick AdamsLido entre 03 e 21/10/2022.
Contos de Hemingway compreende 27 textos curtos e médios que em sua maioria trazem como personagem central Nick Adams, sujeito que em larga medida é o alter ego do celebrado autor de O Velho e o Mar. Aqui Nick pode ser encontrado em diversas épocas e situações de sua vida e, como Ernest Hemingway (1898-1961), era filho de um médico que até mesmo cuidava dos índios das vizinhanças em sua infância, lembrança que acompanhamos em Acampamento de Índios. Nesse conto, Nick, acompanhado do pai e um tio, narra sua visita a uma tribo das redondezas onde uma índia tem um parto bastante complicado.
O jovem Nick Adams visitava os índios, pescava, caçava, viajava por diversos lugares; podia pegar carona clandestinamente num trem por não ter dinheiro para pagar a passagem e depois ser chutado para fora dele por um guarda-freios, como ocorre no início de O Lutador. Coisa parecida se dera com Jack London em suas aventuras pelas ferrovias americanas, conforme registrou em A Estrada (1907).
Como tal, essas histórias de Hemingway são passadas prioritariamente nos Estados Unidos, mas também acontecem na Europa e até na Turquia, como a segunda delas, No Cais de Esmirna, onde ocorrem coisas estranhas, mas que agradavam ao narrador. Nem tanto ao leitor, porém. Porque as melhores histórias do volume são mesmo as protagonizadas por Nick Adams. Os contos foram publicados originalmente em 1938 num volume que continha 49 narrativas curtas e também uma peça teatral, não presente na edição da Civilização Brasileira (1972, 3a. edição), essa que tenho em mãos.
A apresentação foi feita pelo cineasta e escritor Alex Viany, que destaca as semelhanças entre Nick Adams e o próprio Hemingway, daí que algumas histórias do volume podem ser consideradas altamente biográficas. Destaque para a paixão do autor pela natureza, flora e fauna. O que não o impedia, porém, de praticar a caça, a mesma coisa que faz Nick em mais de uma ocasião. Quando lemos o conto mais longo do livro, dividido em duas partes, O Grande e Generoso Rio, que por sua beleza sozinho já valeria pelo volume todo, não podemos deixar de reconhecer, como destaca Viany, “a carinhosa acumulação de impressões guardadas por todos os sentidos” do autor, a constituir “um registro de extraordinária precisão nostálgica.” O que me remeteu para outro incrível livro de contos, do russo Ivan Turgueniev, Cadernos de Um Caçador (Relógio D’Água, 2010).
Como Hemingway, Nick Adams apreciava beber, então outro conto primoroso do volume é Vinho do Wyoming, com muitas frases em francês misturado com inglês, porque é sobre um casal de franceses e o filho deles, estabelecidos naquele estado americano e que produziam cerveja e vinho em sua propriedade. Um conto que deixa o leitor com água na boca por mais histórias cativantes como essa. Para terminar sugiro, para quem tem vontade, claro, em vez de ler todos aqueles três volumes de contos de Hemingway editados pela Bertrand Brasil, mergulhar num exemplar deste Contos de Hemingway que, se não é perfeito, ao menos tem algumas histórias ótimas, as protagonizadas por Nick Adams, e umas outras.