JJ 08/11/2010
A peça Aululária, escrita por Plauto há mais de dois mil anos, apresenta um texto ligeiro, que permite àqueles não familiarizados com obras teatrais (e eu sou um exemplo) se divertir com a leitura da Comédia da Panela. Muito da graça de Aululária ainda funciona. Um exemplo está na metade do II Ato quando o protagonista Euclião discursa: "Hoje, realmente, resolvi tomar coragem, para celebrar com dignidade as bodas da minha filha. Fui ao mercado e pedi peixe; mostraram-me peixes caros. O cordeiro, caro; a vaca, também cara e a vitela, a toninha, o porco, tudo caro! E, sobretudo caro, porque eu não tinha dinheiro!" (pg. 24 da edição lida).
Explanações como essas têm como objetivo não só fazer rir (no que é muito bem sucedido), mas ambientar o leitor da melhor forma possível. Na história tratada, Plauto nos apresenta Euclião em meio a uma paranoia iniciada no achado de uma panela de ouro que poria fim aos anos de dificuldade devido à falta de dinheiro. Todavia, a necessidade de transferir a panela a qualquer custo, bem como a desconfiança de todos, chama a atenção das pessoas. É como se Euclião não acreditasse que algo realmente bom pudesse lhe acontecer.
O pano de fundo de Aululária é a Grécia baseada no regime escravista. O panorama da época não é deixado de lado por Plauto, que no início do IV Ato descreve na fala inicial de Estróbilo (escravo que encontraria a panela) o pensamento dos dominados, ambientando de maneira simples, direta e muito bem feita, o leitor no momento histórico onde a Comédia da Panela se passa. Destaque para a frase "O escravo que deseja servir bem o seu senhor trata de fazer primeiro tudo o que diz respeito ao amo e depois o que a si própria diz respeito. Mesmo dormindo deverá dormir de maneira que se não esqueça de que é escravo" (pg. 33). Aula de História melhor, impossível.
A base da comédia de Plauto é o mal entendido retratado no diálogo entre Euclião e Licônidas. O primeiro falando da panela e o segundo da filha daquele, que está grávida deste, mas foi prometida em casamento a Megadoro, tio de Licônidas. Essa base no mal entendido funciona até hoje, séculos depois. Porém, o final não funciona tão bem. O leitor começa a desconfiar quando uma nota de rodapé no final do V Ato diz que um sábio do século XV, Codro Urceu, reconstituiu o fim da peça, se utilizando do argumento e de alguns versos perdidos (pg. 49 das 54 da edição lida).
Dessa forma, perde-se muito da narrativa cadenciada e eficiente de Plauto. O clímax é uma correria incoerente com o restante da trama, prejudicando muito a nota de Aululária, eis que a conclusão mal desenvolvida recai sobre a qualidade da peça. Ficamos com a única parte brilhante do epílogo de Codro Urceu, na fala de Estrobilo que, ao aceitar a proposta de Licônidas, insiste no chamado de testemunhas para o ato, justificando dessa maneira: "Olha, a nossa época não é muito de boa fé. Escrevem-se documentos, vêm testemunhas, o notário aponta a data e o lugar. No entanto há sempre um advogado a negar o que se fez". Coisas que permanecerão atuais por muito tempo.