lahmot 25/10/2023
A primeira vez que li um livro do Saramago foi em 2019, quando meu professor de Filosofia na época nos fez ler Ensaio sobre a cegueira. Zingari foi um professor muito querido para mim, e mesmo com uma escrita que, a primeira vista, pode parecer intimidadora por sua falta de pontuação e os parágrafos gigantescos, aquele livro ocupou desde então um espaço significativo na minha cabeça e eu sempre pensei nele com muito carinho. Poucos meses após o início da pandemia, em 2020, esse mesmo professor fez em uma rede social a recomendação d'As Intermitências da Morte, em uma postagem sobre como essa obra naquele momento, mais do que nunca, era relevante ao caos e pânico que estava sendo o surto do Covid-19. Faz pouco mais de um ano em que esse professor nos deixou, e sempre que me lembrava dele, vinha em minha mente a memória da recomendação do livro que eu nunca li. Essa leitura foi feita em memória a ele.
Essa obra nos traz a reflexão sobre aquilo que todos provavelmente tememos, a morte: o que aconteceria se ninguém mais morresse? Viver para sempre traria alguma vantagem à sociedade, ou seria isso apenas mais um empecilho? Nós não nos damos conta do quanto de nossa vida gira em torno, ou depende indiretamente, da morte. A morte é a única coisa que nos resta, que nos salva, aquilo que acaba com nosso sofrimento, quando a mente e o corpo não mais dão conta de nos sustentar.
O livro começa com tudo. Sem pausa para respirar, somos inseridos ali naquela situação absurda e acompanhamos a reação desde a população mais humilde, até das instituições que são afetadas pela falta da morte, como as igrejas e as agências funerárias.
Saramago em momento algum se segura na hora de alfinetar tudo e todos, sejam os políticos ou a religião, e há muitos momentos de humor e ironia, como na cena em que o aprendiz de filósofo, em busca de sentido para tudo aquilo, tem uma discussão com o espírito de um aquário (sim, é tão absurdo quanto parece).
Preciso destacar que, lá pelo final da primeira metade, a história fica um pouco cansativa pelo ponto de vista do primeiro ministro e a maneira como o governo decide lidar com a máfia, porém mesmo tendo essa opinião, considero esse um ponto importante na história.
O livro não segue uma pessoa só, mas fica muito mais que claro que é a personagem principal. Os capítulos finais viram tudo de ponta-cabeça e nos dão uma visão completamente diferente do resto da obra. Por eles, nós vemos o lado da última figura que poderíamos imaginar que acompanharíamos tão de perto, ou ao menos eu não imaginava que seria tomado esse rumo. Aquele final, mesmo tão simples, me pegou completamente desprevenida.
A visão que temos sobre a morte não vai ser mais a mesma após essa leitura. Mesmo aqueles não familiarizados com o estilo da escrita do Saramago, eu recomendo que peguem esse livro e não se apressem a lê-lo. É um ensaio fenomenal e um dos que eu colocaria numa lista de Livros Para Ler Antes de Morrer (apesar da piada, sem ironia).
Sem a vida, não há a morte, e sem a morte, para o que nos resta viver?