Fernando Lafaiete 24/12/2020Psicopata Americano - Bret Easton Ellis | O que dizer sobre a tortura que me foi ler este livro?******************************NÃO contém spoiler******************************
Resenha postada originalmente em: https://www.mundodasresenhas.com.br/
Autor: Bret Easton Ellis
Editora: Darkside Books / Gênero: Terror Psicológico / Idioma: Português / 432 páginas
A obra de Bret Easton Ellis sofreu constantes rejeições por parte das editoras até que seu lançamento de fato ocorresse em 1991. Com um personagem feito para incomodar e utilizado como ferramenta narrativa para criticar o sonho americano (de enriquecer e viver uma vida de luxo), o autor nos mergulha (na verdade nos afoga no meio do processo) em uma trama repleta de absurdidades e crueldade em um nível difícil de explicar. O livro é magistral se analisado pelo âmbito crítico que possui e pela assertividade da escrita em elevar a futilidade e o vazio tanto do personagem quanto da sociedade a qual ele pertence. Indo e voltando em cenas que parecem ser a cópia uma da outra, Ellis não deixa na subjetividade as críticas que deseja fazer, deixando mais que claro seu posicionamento a respeito da parcela da sociedade que é movida pelo consumismo irrefreável, fútil e desproposital. Contudo, tamanha magistralidade não me foi o suficiente para sustentar o romance e os alicerces que deveriam mantê-lo de pé.
Fiquei um bom tempo pensando e organizando meus pensamentos em relação a obra supracitada, que ao terminar a leitura de Psicopata Americano senti um alívio tremendo. Tal dificuldade não provém apenas da temática da obra, que por si só já é bastante indigesta. Mas a forma como a trama é desenvolvida, é de uma morosidade tão extrema, que a leitura me foi uma tortura imensurável do início ao fim. Patrick Bateman - o protagonista da obra em questão - é uma pessoa tão asquerosa que o classifico como o pior da humanidade; o lixo humano que nem deveria existir. Homofóbico, misógino, racista, egocêntrico, xenofóbico, fútil, mesquinho, cruel, fã de Donald Trump, e um psicopata sem limites morais e sentimentais. Estar dentro da cabeça de um personagem tão negativo quanto este é torturante. A narrativa em primeira pessoa é desconfortável, irritante, sufocante, tediante e cansativa.
"Ao entrar na tinturaria chinesa, passo quase encostando por um mendigo suplicante, um velho, quarenta ou cinquenta anos, gordo e grisalho, e bem quando vou abrir a porta reparo, ainda por cima, que é também cego e piso-lhe o pé, que na verdade é um coto, fazendo-o derrubar a caneca, espalhando os trocados por toda a calçada. Fiz isso de propósito? O que você acha? Ou fiz sem querer?"
A primeira metade da estória é formada de vários nadas. Descrições infinitas das vestimentas dos personagens, diálogos que não chegam a lugar nenhum sobre moda, restaurantes, mulheres (que são a todo momento objetificadas), babações de ovo a Donald Trump, descrições sobre tratamentos de pele e cenas de sexo com liguajar e descrições chulas e vulgares. É tanta futilidade por metros quadrados que cinco páginas parecem cem. É tanto egocentrismo do personagem central e das pessoas que o cercam que cheguei a ficar com ranço de todos os personagens ao ponto de torcer pela morte de todos, sem excessão (me refiro exclusivamente ao ciclo de amizade que orbita ao redor do protagonista). Os cenários se repetem capítulo a capítulo e o desequilíbrio do personagem central entrega aos leitores momentos sem nexo, que me fizeram revirar os olhos e ficar em um looping de incompreensão em relação ao demais personagens da trama. O que faz alguém manter uma relação de amizade ou de qualquer outra natureza com alguém que do nada deixa claro que tudo que mais deseja é te esquartejar, te degolar ou te torturar? O que faz alguém achar bacana manter uma conversa com alguém que claramante é fissurado e apaixonado (de forma mórbida e venerativa) por psicopatas famosos, sendo quase que um especialista no assunto? Sem contar as personagens femininas que são constantemente humilhadas e continuam se relacionando com o demônio humano do protagonista. Tudo um verdadeiro saco!
A segunda metade melhora, começa a entregar o que já esperava encontrar e o ritmo se acelera, mesmo que não se mantenha de forma equilibrada. Não há um nivelamento quanto ao ritmo de leitura, o que transforma o processo de ler Psicopata Americano em uma maratona que nos desafia a ir até o final sem desistirmos no meio do caminho. As cenas de assassinatos são brutais, bem descritas, sanguinárias ao extremo, chocantes e perturbadoras. Gostei desse aspecto do livro ao ver que o autor não nos poupa, não economiza nas palavras e não deixa de nos entregar cenas que nos tira do eixo. Entretanto, a narrativa sofre quebras de ritmos com as infindáveis divagações do personagem narrador que passa páginas e mais páginas falando sobre algum filme que aprecia ou destrinchando faixa a faixa de algum album de bandas que sente prazer em ser fã. A obra possui tantas incongruências que fiquei sem entender como muitas das situações ocorriam sem que ninguém fizesse nenhum questionamento a respeito. Tanta coisa absurda no meio de tantos nadas que Psicopata Americano parece ter 5.000 páginas, tamanho a demora desse livro acabar. Em alguns momentos cheguei a ficar tão irritado que hora cogitava abandonar a leitura e hora ansiava por algum assassinato para que o livro saísse de sua monotomia e entregasse um pouco de emoção. O que não me foi nada aprazível nem no quesito leitura, nem no quesito psiológico; já que todas as cenas de assassinato me deixaram muito mal, ao ponto de as vezes eu me pegar com um nó na garganta, com os olhos arregalados e sem força pra chorar. As vezes me pegava com nojo e as vezes finalizava minha leitura do dia com dor de cabeça. Uma leitura que me massacrou, me deixou pra baixo e aumentou minha desconfiança com relação as pessoas que me rodeiam.
"[...] empurro inutilmente uma faca pelo seu nariz adentro até sair fora pela testa, cortando a carne, mas aí lhe arranco o osso do queixo. Ela ficou só com a metade da boca que eu fodo uma vez, depois duas, três vezes ao todo. Sem me importar se está ainda respirando ou não, eu lhe arranco os olhos, usando finalmente meus dedos."
Definitivamente Psicopata Americano não me foi uma leitura agradável em nenhum aspecto. Já esperava algo pesado e confesso que gosto de livros que me desafiam e em que o sangue escorre pelas páginas. Mas o desequilíbrio narrativo do romance de Bret Easton Ellis me incomodou, me irritou e me fez querer durante toda a leitura que o livro acabasse o quanto antes. Detestei o final, achei algumas situações sem sentido (as incongruências já citadas) e considero Patrick Bateman a personificação do demônio na Terra. Que ele seja sensato e assim como Braz Cubas, reflita depois de morto o quão desprezível foi em vida e repita a frase do célebre narrador defundo de Machado de Assis, dizendo para si mesmo a famosa frase: "Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".
PS. O livro deu origem ao elogiado filme de Mary Harron lançado nos anos 2000 e protagonizado por Christian Bale. O mesmo se tornou ao longo dos anos em um clássico da sétima arte.