Resenhas - Joaquina

Thaís Venzel 26/07/2014

A grande maioria das pessoas nunca souberam, mas Tiradentes tinha uma filha. Ela se chamava Joaquina. Em Joaquina, filha do Tiradentes, temos uma versão romanceada do que aconteceu a ela após a morte de seu pai. Filha bastarda, teve todo seu futuro desgraçado por ser filha do Alferes, o pai da inconfidência. Pelo menos assim Joaquina pensava. Foram muitas as oportunidades que ela deixou passar por não se achar digna, por se achar inferior aos demais, por achar que estava condenada a uma vida de penitencias.

"Sei de memória, não só a condenação mas também as inesgotáveis formas por que se expressam o desprezo, a humilhação e a desonra. Conheço as mentiras da história,a hipocrisia dos patriotas,a peçonha das letras escritas, os rumores malignos, o escárneo e o medo."

Logo após a prisão do Alferes, Joaquina e sua mãe se refugiaram na Fazenda dos Tucanos, onde foram acolhidos por D. Emília e Sô Anacleto. Por lá ficaram alguns anos até o tumulto da condenação e morte do Alferes se aquietar. O responsável por elas durante todo o percurso de Vila Rica até a Fazenda dos Tucanos foi Chico Itacolomi, a quem sempre mantiveram grande afeto.

" - Daqui por diante, sou Chico Itacolomi, Sinhá. Para o que der e vier. - E assim ficou. Fomos agasalhadas no seu rancho com todo respeito e consideração."

Depois de dez anos, a mãe de Joaquina decide voltar para Vila Rica, a cidade em que queria passar seus últimos dias de vida. Joaquina, contrariada por sair de sua zona de conforto, já que ela e a mãe eram muito bem tratadas, seguiu a mãe com desgosto.
Numa longa e interminável comitiva partiram as duas para regressarem ao passado. O trajeto para casa foi muito conflituoso,já que algumas das companhias não agradavam a nenhuma das duas, como a de D. Maria. Elisa, a adorável filha de D. Maria, se mostrou ser o oposto de sua mãe, que era vaidosa, arrogante e orgulhosa. Elisa e Joaquina se tornaram grandes amigas, o que ajudou muito a superar aqueles detestáveis dias. Durante o percurso foram muitas as paradas e pessoas que Joaquina conheceu, algumas até se tornando amigas. José Afonso foi o que mais marcou Joaquina durante a trajetória. Foi ele o único homem que a tratou com afeto, a cortejou e foi correspondido. José Afonso foi para Joaquina o único homem por quem ela nutriu um sincero carinho, apesar de nunca ter se rendido a isso.

" Tive medo que as patas do cavalo escorregassem entre os troncos e caíssemos na água. Sô Manuel Caetano zombou do meu receio. José Afonso levou-o em consideração: aguardou, paciente, que eu chegasse à outra margem para, então, atravessar. Senti, naquele momento que era alvo de sua especial atenção.Pelo olhar que me endereçou o tropeiro, vi, também, que não lhe passara despercebida a galantearia do moço."

Quando chegaram a Vila Rica, tomaram posse de tudo o que haviam deixado para trás, o que não era muita coisa. Retomaram uma vida repleta de dificuldades, infâmia e desonra. Sobreviveram com grande custo, Joaquina trabalhando dia e noite para poder sustentar a si mesmo e sua mãe. Sempre preocupada, nunca tinha descanso. Com o passar dos anos as coisas não se tornaram mais fáceis. Joaquina recusou o pedido de casamento de João, filho de D. Formosinha, os únicos amigos que tinham em Vila Rica. Com isso selou seu futuro,que era continuar a viver uma vida desumana, carregando um fardo que o Alferes deixou em suas costas, e cuidando de uma mãe que enlouquecia a cada dia.

"- Joaquiiina, Joaquiiina!
- Estou a sua cabeceira, mãe.
-Feche a porta do oratório, Joaquina.Feche aquela porta!
- Não temos oratório em casa, mãe. Durma tranquila.
- Foi o Francisco quem me trouxe o oratório.E guardou-o aqui, no seu quarto.
- O Itacolomi já morreu, mãe. Ele não poderia trazer para cá o oratório! Acalme-se e durma!
- Ele veio avisar que não podia morrer sem antes fazer a entrega do oratório. Está aí, sim. Ficou de herança, Joaquina. É a cabeça do Alferes. Você tem de fazer alguma coisa. Eu já falei que ele não vai ter paz enquanto você não cuidar desse enterro. E tem que ser em terra sagrada.
- Pois eu cuido disso. E todos teremos paz.
- Amém!"

Maria José de Queiroz abordou um tema até então nunca trabalhado. Buscou informações sobre a vida verdadeira de Joaquina, portanto este trajeto foi real. Porém ficcionou os fatos, tais como o heroísmo de Tiradentes (que hoje sabemos que não foi herói coisa nenhuma), os amores não vividos apenas sentidos de Joaquina, entre outros. Uma leitura enriquecedora, com uma narrativa agradável e um enredo bem elaborado. Foi o primeiro livro que li da autora, mas não será o único, se depender da minha vontade.