Luis 17/12/2013
Reflexões, obsessões, pensamentos e fragmentos de memória do velho trovador canadense.
Não, não é uma autobiografia.
Apesar da editora, talvez por falta de opção, ter assim classificado o livro de Neil Young, o leitor desavisado que tiver a expectativa de revelações ou pormenores cronológicos da vida e da carreira de um dos nomes mais influentes do pop rock dos últimos 50 anos, vai se decepcionar redondamente.
Apesar dessa ressalva, a leitura de “Neil Young- A autobiografia”, nos deixa mais íntimos do criador de “Keep rockin´ in the free world” e “Cinnamon Girl” e a prosa honesta e direta do cantor surpreende pela fluência de um bate papo no bar da esquina. As quase 400 páginas do volume descem leves como uma pluma e deixam à mostra uma personalidade única no universo da música.
Não sei se algum de vocês acredita em astrologia, mas é inevitável a detecção de algumas coincidências entre dois ilustres representantes escorpianos do dia 12/11. Além de Young, Paulinho da Viola, também veio ao mundo nessa mesma data (fato menos importante, mas de certa forma revelador : o autor dessas linhas se alinha ao mesmo grupo). No documentário de 2003, “Meu Tempo é Hoje” , dirigido por Izabel Jaguaribe e roteirizado por Zuenir Ventura, o mestre portelense deixa claro o seu desprezo pelo tempo regular, por exemplo quando se esmera na reforma de um velho carro, montado e desmontado em eternas reformas. Neil Young em seu livro também partilha desse mesmo desprezo : os episódios e suas muita particulares versões são apresentados em uma cronologia própria, sem qualquer compromisso com a recomendação do mercado editorial de “facilitar” a vida do leitor. Também é sintomática a paixão desenfreada por carros, que consome páginas e páginas da obra em descrições minuciosas das características e circunstâncias de aquisição de cada modelo da gigantesca coleção do músico. Alguns em estado pleno de conservação e uso, outros aguardando por séculos uma vaga para restauração, assim como o velho carro de Paulinho.
Outra das paixões de Young é o ferromodelismo, que o levou até mesmo a ser sócio minoritário de uma das mais tradicionais empresas do setor. Inclusive o livro abre com esse tema, quando na primavera de 2011, Neil recebe de presente mais um “trenzinho” para a sua coleção.
É claro que, apesar de ser um livro surpreendente e que não cabe nas classificações formais de gênero, boa parte dele, para alívio de muitos leitores, é sim composta por música ou pela visão muito particular que o autor tem dela. Por sinal, nunca é demais lembrar, que não há fórmulas para a música de Neil Young. Ele tanto pode navegar pelas águas muito conhecidas do folk , adentrar as cavernas do hard rock, homenagear o rockabilly ou brincar com experimentações eletrônicas...Essas duas últimas iniciativas, inclusive, o levaram a enfrentar um processo por parte da Geffen, inconformada por Neil Young produzir “música atípica” de Neil Young...
O fato é que a coerência que permeia a sua carreira multifacetada, onde nada é previsível e tão pouco por acaso, é o mote dessa “falsa” autobiografia. O velhinho canadense é fiel à dedicação quase obsessiva por seus projetos (entre eles, quase ia me esquecendo, a criação de um novo padrão de arquivo sonoro, o Pure Tone, mais próximo da antiga robustez do vinil), seus hobbies e, sobretudo, pelo seu supremo amor pela música.
Aliás não podia ser diferente, vindo de quem escreveu o verso “Rock and Roll will never die...”