Lista de Livros 06/08/2017
Lista de livros: A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord
Parte I:
“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.
O espetáculo não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung (cosmovisão) tornada efetiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se objetivou.
O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um suplemento ao mundo real, a sua decoração readicionada. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário, o consumo. Forma e conteúdo do espetáculo são, identicamente, a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação da parte principal do tempo vivido fora da produção moderna.”
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“No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso.
Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, isto é, social, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; como uma negação da vida que se tornou visível.”
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“O espetáculo apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada mais diz senão que “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele exige por princípio é esta aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve pela sua maneira de aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.
O caráter fundamentalmente tautológico do espetáculo decorre do simples fato de os seus meios serem ao mesmo tempo a sua finalidade. Ele é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória.
A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculosa. No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio.
Enquanto indispensável adorno dos objetos hoje produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade do sistema, e enquanto setor econômico avançado que modela diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual.
O espetáculo submete a si os homens vivos, na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele não é nada mais do que a economia se desenvolvendo para si própria. É o reflexo fiel da produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores.
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o “ter” efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo, toda a realidade individual se tornou social, diretamente dependente do poderio social, por ele moldada. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer.”
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Parte II:
“O raciocínio sobre a história é inseparavelmente raciocínio sobre o poder.”
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“O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é, materialmente, “a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem”. O “novo poderio do embuste” que se concentrou aí tem a sua base nesta produção pela qual “com a massa dos objetos cresce (...) o novo domínio dos seres estranhos aos quais o homem está submetido”. É o estádio supremo duma expansão que virou a necessidade contra a vida. “A necessidade de dinheiro é portanto a verdadeira necessidade produzida pela economia política, e a única necessidade que ela produz” (Manuscritos econômico-filosóficos). O espetáculo alarga a toda a vida social o princípio que Hegel, na Realphilosophie de Iena, concebe como o do dinheiro; é “a vida do que está morto movendo-se em si própria”.”
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“A primeira intenção da dominação espetacular era fazer desaparecer o conhecimento histórico em geral; e em primeiro lugar quase todas as informações e todos os comentários razoáveis sobre o mais recente passado. Uma evidência tão flagrante não necessita ser explicada. O espetáculo organiza com mestria a ignorância do que acontece e, logo em seguida, o esquecimento daquilo que pôde apesar de tudo tornar-se conhecido. O mais importante é o mais escondido. Vinte anos depois, nada foi mais recoberto de tantas mentiras comandadas como a história de Maio de 1968. Contudo, lições úteis foram tiradas de alguns estudos desmitificados sobre essas jornadas e as suas origens, mas são segredo de Estado.
Na Franca, há já uma dezena de anos, um Presidente da República, esquecido em seguida, mas flutuando, então, à superfície do espetáculo, exprimia inocentemente a alegria que ressentia, “sabendo que viveremos a partir de agora num mundo sem memória, onde, como na superfície da água, a imagem afasta indefinidamente a imagem”. É efetivamente cômodo para quem está nos negócios; e sabe manter-se neles. O fim da história é um agradável repouso para todo o poder presente. Garante-lhe absolutamente o êxito do conjunto das suas iniciativas, ou pelo menos o ruído do êxito.
Um poder absoluto suprime tanto mais radicalmente a história, quanto tem de ocupar-se dos interesses ou das obrigações mais imperiosas, e principalmente conforme encontrou mais ou menos grandes facilidades práticas de execução. Ts’in Che Hoang Ti mandou queimar os livros, mas não conseguiu fazê-los desaparecer todos. Stalin levava mais longe a realização de um projeto semelhante no nosso século, mas, apesar das cumplicidades de toda a espécie que encontrou fora das fronteiras do seu império, ficava uma vasta zona do mundo inacessível à sua polícia, onde se riam das suas imposturas. O espetacular integrado fez melhor, com novíssimos métodos, e operando desta vez mundialmente. A inépcia faz-se respeitar por todo o lado, já não é permitido rir dela; em todo o caso, tornou-se impossível fazer saber que se riem dela.
O domínio da história era o memorável, a totalidade dos acontecimentos cujas consequências se manifestariam durante muito tempo. Era inseparavelmente o conhecimento que deveria durar e ajudaria a compreender, pelo menos parcialmente, aquilo que aconteceria de novo: “uma aquisição para sempre”, diz Tucídides. Por isso, a história era a medida duma novidade verdadeira; e quem vende a novidade tem todo o interesse em fazer desaparecer o meio de a medir. Quando o importante se faz socialmente reconhecer como aquilo que é instantâneo, e vai sê-lo no instante seguinte, e no outro e noutro ainda, e que substituirá sempre uma outra importância instantânea, pode também dizer-se que o meio utilizado garante uma espécie de eternidade desta não-importância, que fala tão alto.
A preciosa vantagem que o espetáculo retirou deste pôr fora-da-lei da história, de ter já condenado toda a história recente a passar à clandestinidade, e de ter conseguido fazer esquecer muito frequentemente o espírito histórico na sociedade, é antes de tudo cobrir a sua própria história: o próprio movimento da sua recente conquista do mundo. O seu poder aparece já familiar, como se tivesse estado lá desde sempre. Todos os usurpadores quiseram fazer esquecer que acabam de chegar.”
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Parte III:
“Jamais a censura foi tão perfeita. Jamais a opinião daqueles a quem se faz crer ainda, em certos países, que são cidadãos livres, foi tão pouco autorizada a tornar-se conhecida, cada vez que se trata duma escolha que afetará a sua vida real. Jamais foi permitido mentir-lhes com uma tão perfeita ausência de consequência. O espectador é suposto ignorar tudo, não merecer nada. Quem olha sempre, para saber a continuação, jamais agirá: e tal deve ser o espectador. Tudo aquilo que nunca é sancionado é verdadeiramente permitido. É pois arcaico falar de escândalo. Atribui-se a um homem de Estado italiano de primeiro plano, tendo exercido funções simultaneamente no ministério e no governo paralelo chamado P.2, Potere due, uma divisa que resume profundamente o período em que entrou o mundo inteiro, um pouco depois da Itália e dos Estados Unidos: “Havia escândalos, mas já não há”.”
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“Em Janeiro de 1988, a Máfia colombiana da droga publicava um comunicado destinado a retificar a opinião pública sobre a sua pretendida existência. A maior exigência duma Máfia, onde quer que possa estar constituída, é naturalmente estabelecer que não existe, ou que foi vítima de calúnias pouco científicas; esta é a primeira semelhança com o capitalismo. Mas na circunstância, esta Máfia irritada por ser a única posta em evidência chegou a evocar os outros agrupamentos que queriam fazer-se esquecer, tornando-a abusivamente por bode expiatório. Declarava: “Nós não pertencemos à Máfia burocrática e política, nem à dos banqueiros e financeiros, nem à dos milionários, nem à Máfia dos grandes contratos fraudulentos, à dos monopólios ou à do petróleo, nem à dos grandes meios de comunicação.”
Pode seguramente considerar-se que os autores desta declaração, como os outros, têm interesse em verter as suas práticas no vasto rio de águas turvas da criminalidade e das ilegalidades banais, que inunda em toda a sua extensão a sociedade atual; mas também é justo reconhecer que se trata de pessoas que, por profissão, sabem melhor que ninguém do que falam.”
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“O espetáculo é uma miséria, mais que uma conspiração. E os que escrevem nos jornais do nosso tempo não nos escondem nada da sua inteligência.”
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