R...... 25/02/2017
Publicado em 1933 a partir de textos escritos na década de 20
Estou aproveitando o feriadão de carnaval para reencontrar a turminha do sítio. "Caçadas de Pedrinho" é de 1933, mas os primeiros textos foram escritos cerca de dez anos antes. Acho interessante essa questão de datas, pois acabamos percebendo um processo construtivo na obra de Lobato.
O primeiro capítulo (escrito em 1924) conta uma história horrível e bizarramente violenta, que coloca em choque a turminha com uma onça. É um exemplo de que as percepções podem envelhecer, caducar e os autores tem que ter traquejo nisso. Lobato, nesse texto, é adepto da visão imperativa, arbitrária e destrutiva do homem sobre a natureza. Nesse momento não há noção alguma sobre educação ambiental, tratando-se tudo como um brinquedo. A turminha vai à mata e trucida o bicho, com requintes de crueldade exaltados como grande façanha, reproduzindo a mesma visão que movia muitos na interação com a natureza.
Para entender melhor, pensa em Narizinho esfaqueando como se quisesse "tirar uma fatia de pão", Pedrinho esmagando o crânio a peso de coronhadas, Emília atacando com um espeto de assar frango, Visconde enterrando a espada no peito e Rabicó dando um tiro de canhão à queima roupa.... Quadro terrível? Era a diversão infantil naquela época no que o autor imaginava para as crianças. Felizmente, parece ter percebido e trouxe visão nova nos textos seguintes, escritos na década de 30 para o mesmo livro, na interação das crianças com a natureza. O Maurício de Sousa, por exemplo, teve e tem muito traquejo na construção de sua turminha.
Segue uma história em que os animais, especialmente as onças, tentam se vingar e atacam o sítio, mas são vencidas por esperteza. Nada de mortes dessa vez, apesar do Pedrinho ter fascínio por armas e querer ser um caçador infalível e implacável, desejando morar na África para seus intentos. Algo continua equivocado, né?
Na parte final, outra evolução no pensamento de Lobato, trazendo uma percepção mais acertada, ainda que no contexto de época houvesse outra visão e prioridades. Seu texto deixou a caduquice do primeiro e introduziu um rinoceronte, uma dquelas feras que o Pedrinho desejava caçar, como um animal de interação curiosa e afável para as crianças. Aqui há desapego à imagem vilanizada da natureza e as crianças aprendem a amar o bicho e lutar por sua permanência em seu convívio. Os personagens do folclore ainda não deram o ar da graça e acho que sobrou para alguns deles o papel de vilão nas aventuras. Melhor assim. Não lembram? Lá vem a Cuca, te pega daqui, te pega de lá...
E aí? Não houve uma progressão no pensamento do Lobato? Espero não encontrar as referidas caduquices nos livros seguintes... Mas também sei de algo que Lobato preferiu congelar e morrer na caduquice: a percepção e imagem construída sobre a Tia Nastácia. Guardo para outros livros da série esse parecer, mas digo que em uma obra que mostrou desenvolvimento, o final foi decepcionante: involução total na caduquice que não se quis largar. Olha lá a última frase...
Registrando amenidades da cronologia da série:
- O Quindim foi introduzido nesse livro como mais um personagem do sítio;
- Surgem também os besouros espiões da Emília: o Numero 1 e Número 2;
- Os animais já aparecem falantes, sem explicação alguma, como ocorreu em relação ao Burro Falante no primeiro livro. Assim é com Rabicó, os besouros e Quindim (sem que se mencione as pílulas falantes da obra anterior). Acho que o Lobato esqueceu dessa pequena explicação como até então fazia em relação a tudo;
- Cléo foi outra menina introduzida, mas parece que não teve carisma. A justificativa para o surgimento foi mal elaborada e ficou marcada como uma namoradinha do Pedrinho. Na real, Lobato quis dar um jeito de colocar a novidade da rádio em seus livros, já que a menina era representante de uma emissora;
- Lobato era antenado e também deu um jeito de registrar e introduzir o telefone no sítio, na história do Quindim;
- KKKK! Gostei da passada de perna que a Emília deu nos advogados do circo de onde veio o Quindim. Ah, que legal seria se o Lobato tivesse tido o insight de torná-la defensora de certas coisas... Mas ele preferiu a caduquice nelas.
- É um livro para ser lido, em relação às crianças, com orientações.
Contudo, contudo, eu gosto muito do Sítio do Picapau Amarelo e tive a grata satisfação de ser alfabetizado em livros com suas personagens, lá no meu Jardim da Infância, Pré-Escolar...