Tamirez | @resenhandosonhos 13/08/2018ElantrisQuem é leitor de fantasia sabe o quanto é difícil encontrar livros em volume único e esse é exatamente um dos diferenciais desse livro. Elantris foi a primeira publicação do autor Brandon Sanderson, o mesmo da trilogia Mistborn e Os Executores, e eu estava muito ansiosa para conhecer essa história que certamente não desapontou. Aliás, virou favorita.
Todo o mundo desenvolvido por Sanderson é novo e único, há toda uma criação de magia, política e religião. É necessário que o leitor mergulhe no livro para desbravar o que lhe é apresentado. Essas novas descobertas aliadas ao fato de a história de diversificar e mudar de rumo a todo o momento concedem um tom voraz à leitura, já que quando alcançamos certo ponto é impossível parar de ler. O livro acaba por também ser uma prova que para escrever uma boa história de fantasia não são necessários uma infinidades de livros que muitas vezes nem chegam a ser concluídos ou perdem de rumo no meio da história.
“Era como se Elantris estivesse empenhada em morrer, uma cidade cometendo suicídio.”
A trama principal envolve política e religião e é nisso que vamos focar durante toda a narrativa. A proposta de casamento entre os dois reinos não foi feita por amor, é uma transação e como os dois protagonistas não chegam a se conhecer, não há destaque para o romance, o que eu acho ótimo. O que acontece é que o autor consegue trabalhar todas as relações de forma muito orgânica e natural, fazendo com que o leitor se sinta envolvido pelos personagens e se pegue inclusive torcendo para que certas coisas aconteçam.
Os capítulos narrados por Hrathen são os mais lentos pois são neles que teremos a perspectiva política e religiosa mais bem explicada e explorada. Isso faz com que ao mesmo tempo em que ele possa ser, a princípio, o personagem a se menos gostar, aquele em quem mais devemos prestar atenção para compreender a trama. Ele é um sacerdote da fé, mas não é cego por ela como muitos que seguem a mesma doutrina. Sua missão é converter Arelon em três meses para impedir que a cidade seja tomada a sangue e espadas. Ele entende que existe alternativa e coloca esse peso em seus ombros. Ele crê, mas questiona e eu acho esse aspecto muito importante, pois é a forma mais sensata de encarar qualquer doutrina.
Sarene é uma personagem muito sagaz e objetiva. Ela arrumou esse casamento para ajudar o seu reino, sem se preocupar com os sentimentos que viria ou não a ter como o noivo. Seu propósito vai além, ela crê em sua missão e está disposta a fazer o que for necessário para que as coisas ainda andem nesse caminho, já que seu príncipe não pode mais ajuda-la. Para isso ela não vai esperar sentada e buscará ajuda entre aqueles que apoiavam Raedon, alguém que mantinha pensamentos muito diferentes dos do pai, um rei sem muito dom e que não soube conduzir seu povo ou a economia.
“Isso é Elantris, sule. Não tem essa coisa chamada ajudar. Dor, insanidade e um monte de imundice são as únicas coisas que encontrará aqui.”
O príncipe, que está isolado e sem saber o que acontece fora dos muros de seu confinamento, busca lá formas de manter a sanidade. Há gangues estruturadas dentro da cidade e pessoas que apenas perderam a sanidade para a dor e a fome. Mas ele, que sempre teve um propósito em sua vida e que é uma pessoa obstinada não vai sentar e esperar ser corroído pelo tormento. Raedon vai estudar Elantris, buscar as respostas que fora dos muros ninguém quer falar sobre, encontrar alternativas e tentar dar ao seus novos companheiros e a si, melhores formas de sobrevivência. Porque mesmo que amaldiçoados, eles ainda estão vivos.
Um elemento que também é muito interessante são os Seons, seres de luz que são vinculados a uma pessoa e servem como forma de comunicação com outras que também o possuam. Entretanto, se alguém com um Seon vira um elantrino, o vínculo se perde e o ser acaba por enlouquecer junto com o seu “dono”.
Há toda uma complexa linguagem de símbolos ligada a magia de Elantris, a qual o autor afirma ter sido inspirada na construção da língua da Coreia, onde viveu por um tempo e pode fazer sua pesquisa. Os símbolos são listados no fim do livro e ajudam o leitor a visualizar o que era comentado durante a narrativa. A edição física também conta com um breve mapa que mostra a posição dos reinos mencionados, o que ajuda o leitor a se localizar geograficamente.
Uma das coisas mais legais sobre a trama é que nunca sabemos verdadeiramente o que está acontecendo, há sempre algo escondido e a trama que cerca todos os personagens é muito bem construída. Mesmo com todos os mistérios, não sobram pontas soltas, o autor ata todas elas assim que as perguntas começam a fervilhar em nossa cabeça e há uma sequência incessante de twists na história, fazendo com que ela nunca caia na monotonia e um novo problema sempre seja adicionado ao tabuleiro.
“Ele espera que as mulheres sejam tolas, então serei tola. É muito mais fácil manipular as pessoas quando elas presumem que você não têm cérebro suficiente para lembrar seu próprio nome.”
Eu já tinha lido Mistborn do mesmo autor e mesmo havendo algumas semelhanças, é possível ver como ele monta suas histórias de forma diferente. Elantris é muito mais eletrizante enquanto Mistborn toma o seu tempo, pois tem muito mais espaço pra se desenvolver. Algo que é notável também é como o autor soube construir a personagem feminina. Sarene é forte e destemida, mas também é frágil e tem seus medos, demonstrando nos momentos certos cada um dos pontos, dando profundidade e credibilidade à personagens. Homens criando personagens femininas – em fantasia – é sempre um desafio e a fórmula apresentada nesse livro está perfeita.
Elantris entrou pra lista de favoritos e agradeço a indicação muito válida que recebi de várias pessoas para fazer essa leitura. É um mundo vasto e inesquecível, com personagens magníficos e profundos, caminhando em uma história que surpreende a cada novo conjunto de páginas, trazendo novidade à narrativa e proporcionando uma imersão profunda em um universo rico em detalhes. Certamente vale a leitura!
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