Dimitri 15/08/2010
Dos motivos pelos quais me identifiquei com o livro
A alguns meses eu li o livro O Homem Duplo (A Scanner Darkly, no original), de Philip K Dick, famoso autor de ficções científicas, sendo a obra Do Androids Dream Of Eletric Sheep a mais famosa, por ter sido adaptada ao cinema em 1982 como Blade Runner - O Caçador de Andróides, de Ridley Scott, estrelando Harrison Ford e Hutger Hauer.
Em 2006, O Homem Duplo também foi adaptado em filme homônimo, estrelando Keanu Reeves e Robert Downey Jr. À época do lançamento, chamou a atenção pela técnica visual utilizada, uma rotoscopia digital que conferiu um leve aspecto surreal, ainda que calcado na realidade, tornada falsa, intangível. Não poderia ser mais apropriado, levando em conta a trama.
A história se centra no policial Bob Arctor, conhecido pelos seus colegas no departamento apenas como Fred, seu codinome. Ele faz parte de um grupo seleto de policiais da Califórnia que trabalham disfarçados no combate ao narcotráfico, que assola os EUA em um futuro próximo. Ninguém na polícia conhece a sua verdadeira identidade. Os policiais que trabalham neste grupo utilizam publicamente uma espécie de traje que impede a identificação de quem o veste. Sem o traje, Bob trabalha infiltrado em um grupo de usuários da Substância D, a superdroga do futuro, a fim de desmascarar a identidade dos grandes traficantes.
Seus superiores, representados pelo agente Hank, outro policial disfarçado, sabem que um dos membros do círculo que Fred frequenta é um desses perigosos traficantes. Para eles, Bob Arctor também é um dos suspeitos, o maior de todos, inclusive. As coisas começam a piorar quando Bob começa a sofrer os fortes efeitos nocivos da Substância D, que ele consome para manter seu disfarce. Ele passa a sofrer de uma espécie de esquizofrenia que divide a sua identidade em duas. Como Fred, ele passa a investigar Bob. Como Bob, ele começa a desconfiar que um de seus amigos está preparando alguma armadilha para ele.
Quase toda a obra de Dick é permeada pelo questionamento da realidade, levando à reflexões metafísicas e, por vezes, teológicas sobre quais os fatores que definem o mundo em que vivemos como sendo real. Paralelamente, também discute o que é ser humano e o que é identidade. O Homem Duplo está mais alinhado com esta segunda linha, embora não ignore a primeira.
Afinal, quem é mais verdadeiro? Bob ou Fred? Bob abandonou a esposa e suas duas filhas para se infiltrar num círculo de usuários de drogas. Ele se tornou no seu disfarce. Por outro lado, Fred ainda é o mesmo policial que foi antes de ter a sua identidade dividida, apesar da sua existência ser um segredo para seus amigos que são, no final das contas, toda a família que lhe resta. Fred é seguro e não tem dúvidas quanto a seu papel como policial. Bob é atormentado pelas lembranças do seu passado, pela paranóia instaurada e por não entender Donna, sua namorada e traficante, que não permite nenhum toque físico.
O título original A Scanner Darkly refere-se aos scanners instalados na casa de Bob, utilizados por Fred para monitorar as suas atividades e a dos seus amigos, algo como câmeras de vigilância de alta tecnologia. Em certo trecho do livro, Bob reflete sobre a sua situação, sendo vigiado constantemente por Fred, que por sua vez confere mais tarde as gravações feitas pelos scanners. É exatamente esse trecho que me fez querer publicar este post:
What does a scanner see? he asked himself. I mean, really see? Into the head? Down into the heart? Does a passive infrared scanner like they used to use or a cube-type holo-scanner like they use these days, the latest thing, see into me - into us - clearly or darkly? I hope it does, he thought, see clearly, because I can't any longer these days see into myself. I see only murk. Murk outside; murk inside. I hope, for everyone's sake, the scanners do better. Because, he thought, if the scanner sees only darkly, the way I myself do, then we are cursed, cursed again and like we have been continually, and we'll wind up dead this way, knowing very little and getting that little fragment wrong too.
Publicado originalmente em:
http://notasprovisorias.wordpress.com/2010/08/14/o-homem-duplo/