spoiler visualizarNina 14/08/2022
Entre a adequação e crítica dos modelos vigentes, os dois
nota: 3.75
acompanhar a jornada de fanny price foi uma experiência bem massa
a grande proeza da escrita foi a teia cheia de sutilezas com um narrador perscrutador de todas as emoções e intenções dos personagens, mesmo elas escondidas por trás de decoro aristocrático.
essa descrição de emoções por trás do decoro é o que marca a protagonista como este ser construído nos silêncios, constantemente modelada e "guiada" por pessoas obcecadas pelos modos aristocráticos, sem saber, na verdade, que a obsessão pelas aparências, que é o que parece ser o grande véu que esconde a verdadeira intenção, a verdadeira palavra.
o que explica a mesquinhez e maldade de mrs. norris travestidas de palavras bonitas e salvadoras; os desejos egoístas e sem limites de maria por trás do modelo de perfeição que fora criada para ser; a verdadeira natureza ambiciosa e vaidosa de mrs. crawford e o a megalomania e egocentrismo por trás das perfeitas maneiras de mr. crawford.
toda a trama aponta para uma crítica à sociedade inglesa obcecada por aparências e bons modos, mesmo decadente e cheia de hipocrisias.
de alguma maneira, nem fanny price fugiu de tudo isso.
sua grande virtude e personalidade admiráveis são frutos de natureza ou de criação de aparência dos modos rígidos de decoro aristocráticos?
é uma pergunta que se faz quando vemos o ponto crítico da personagem ao visitar a sua casa de origem que não era mais um lar. a casa pobre composta por pessoas sem nenhum modo admirável, grosseiras e não pertencentes à elite colocaram em prova sobre o que seria eficiente para a virtude de uma jovem moça.
fanny fora criada em mansfields park como uma estrangeira, alguém que não fazia parte da família, uma empregada. em sua casa de origem, porém, não se sentira também pertencente.
o desamparo, no entanto, foi uma resposta para ela. soube entender que pertencera aos bons modos apesar dos sofrimentos que passara.
sem ser considerada da família, mas observando o "certo", fanny como testemunha do decoro, mesmo desprezada, foi o único projeto de educação de modos e virtudes que deu certo em mansfields park.
entre a crítica à sociedade inglesa e à adequação, jane austen escolhera os dois. ao premiar fanny, ao final, com tudo o que ela desejara: casando-se com seu amado e estabelecendo-se em mansfield park, austen dá uma pista de sua intenção: ainda há como existir amor em uma época em que relações são trocas econômicas e, mesmo assim, ainda há de se adequar aos princípios e virtudes do que uma mulher "deve" ser.
mansfields park é uma obra que reflete seu tempo e um pensamento da sociedade de costumes inglesa. tem traços moralistas de educação de modos, mas ao mesmo tempo consegue pôr à seco a hipocrisia da aristocracia inglesa, a falsidade por detrás de todas as regras de etiqueta e a não tão romântica ideia de casamento como perpetuação dessa aristocracia e fundamento da economia. é também um retrato de que casar por amor pode ser visto como o ato mais revolucionário, mesmo que obedecendo as regras, para a mulher do século xix em uma sociedade europeia que não tinha fora do casamento nenhuma outra rota para assegurar a própria vida.