R...... 02/04/2016
Edição da Martim Claret (2005)
Imagino que essa edição deva ser um desafio para quem é metódico, que costuma se guiar por capítulos ou tópicos em suas leituras, pois a edição não traz essas divisões. Digo porque me sinto mais confortável com o livro metodicamente subdividido e, a princípio, sem essas características parece cansativo, ainda mais quando é volumoso. Do jeito que o romance se apresenta, a história tem que ser muito boa para cativar o leitor. E é o que acontece nessa versão da Martim Claret, que reúne as duas partes da famosa hstória do Crusoé. Um clássico que instiga a imaginação e, de certa forma, procura retratar um pouco da sociedade inglesa na interação com o Novo Mundo. Pelo menos é assim que vejo.
A primeira parte mostra o que se consagrou sobre o romance: a chegada do náufrago na ilha e sua luta de sobrevivência em 28 anos. Não é apenas um livro de aventuras, mas de propaganda ideológica também, por mostrar a interação pacífica entre um inglês e um novo mundo, que se revelava nas terras recém descobertas e anexadas pelo colonialismo inglês. Esse pacifismo sugestionado (cheio de humanismo, ética, voltado à descobertas e relação harmoniosa com a natureza) é colocado em paralelo e crítica à barbarie praticada pelos espanhóis em sua relação com o Novo Mundo. As páginas 128 e 129, por exemplo, tem parágrafos que reforçam isso. Não estou dizendo que o colonialismo inglês não tenha feito isso também, mas que o livro sugere essa visão a seus leitores.
O que talvez passe batido para muitos é que o Robinson era escravagista e buscava riquezas também, como os espanhóis.
A segunda parte é menos instigante e a passagem de tempo se dá de maneira mais rápida. O autor parece querer elevar e valorizar o Robinson de náufrago para um grande explorador pelo mundo. Embora o texto seja uno, sem tópicos ou capítulos, claramente dá para separar duas fases. Temos a volta do Robinson a ilha, onde acontece um embate ideológico entre os espanhóis e ingleses, naquilo de uns terem visão de barbárie e outros de pacifismo na pequena colônia que começou a se formar desde a época do Robinson. Ressalte-se que o autor inverte os papeis e são alguns ingleses que procedem perfidamente nessa história. Quem sabe uma crítica ao colonialismo inglês em um segundo momento. Transfigura-se também um embate entre católicos e protestantes, não que esses colonos sejam fiéis nisso, pois originalmente são bandidos, mas porque tiveram influência nesses princípios. A solução proposta é uma harmonia onde se centralizaria os princípios éticos e não se atentaria para detalhes religiosos. Haveria um respeito e reverência a Deus, que deveria se expressar sobretudo em seus atos para uma boa convivência. O momento mais legal, para mim, é o relato de uma conversa entre um colono e sua esposa nativa, onde se evoca e se questiona a real presença de Deus em quem o professa. Algo ingênuo, sensível, extremamente reflexivo e verdadeiro nas ponderações.
O romance deveria terminar aí. Mas segue com a partida do Robinson novamente da ilha, desdobrando-se na triste morte do Sexta-feira e em algumas excursões pelo mundo, como a região das Índias, China e Rússia. Descrições cansativas e sem se deter muito tempo nos locais. Eis aí algo escrito, talvez, por pretensões comerciais, na esteira do sucesso, como acontece hoje. Não achei essa parte legal e, se há um ponto favorável, talvez a descrição de bárbarie que o Robinson participou em visitação a novas terras com seus parceiros. Uma crítica final do autor no retrato de nações europeias na colonização. Esses eventos são muito violentos e lembram as descrições reais de "O paraíso destruido".
Último informe, o romance teve inspiração também em um naúfrago, Alexander Selkirk. Mas pelo que apurei, sua experiência durou cerca de quatro anos. Algo menos abrangente do que a história do Robinson tem para contar e revelar.
Para mim foi assim.. E quem quiser que conte outra...