Wagner47 16/07/2023
O homem foi feito para ser o rei da criação e a Terra é o lar que Deus lhe designou
Após parar numa ilha desabitada, Robinson Crusoé (lê-se róbinçn krúçou) inicia uma nova jornada em sua vida já na faixa dos 20 anos: aprender a sobreviver sozinho.
Uma rápida história: há mais de 20 anos eu assisti ao filme e logo após procurei pelo livro, o qual não encontrei. Porém aquela criança frustrada que teve seu desejo realizado muito tardiamente continuou frustrada. Mas vamos por partes.
O livro é composto por duas partes. Daniel Defoe logo de cara nos apresenta um jovem Robinson e seu tranquilo cotidiano e em poucas páginas muita coisa já tinha acontecido, desde ser escravizado por piratas e até mesmo vir parar no Brasil e se tornar senhor de engenho. Apesar da estranheza, é uma pressa boa. Não vou mentir que o que eu mais esperava era de sua nova rotina na ilha, então toda essa rapidez foi o suficiente para mostrar bastante do personagem sem se prolongar muito.
Após o naufrágio sem nenhum outro sobrevivente, começaria uma nova luta para se manter vivo. Sendo muito jovem e com pouca vivência em situações extremas, Robinson passaria a descrever basicamente todos os seus afazeres. E nisso o autor acerta muito bem e o faz sem soar repetitivo. Construção de utensílios, criação de alguns animais e domesticação de outros ou até mesmo novas explorações estão sempre apresentados com certa versatilidade para não cansar o leitor.
Outro fator importante é a passagem de tempo. O que vai sendo narrado ou descrito em seu diário (antes da tinta acabar) dia após dia começa a ganhar saltos de meses, anos e até uma década. Defoe sabe que Robinson não pode fazer muita coisa diferente na ilha durante muito tempo, então foca em explorar novas situações do que repetir as já conhecidas.
Além dos animais, a única companhia que Robinson achava que tinha era a Bíblia. O jovem que negava os sinais vai ficando para trás, dando espaço ao homem que começa a julgar o que é destino e obra da Providência, trazendo reflexões bem acertadas a respeito de sua vivência na ilha.
E quando eu digo que "achava que tinha" é porque novas descobertas mostrariam que ele estava errado até certo ponto. Não vou me alongar para evitar de explicar certo "funcionamento" da ilha, mas o leitor não demorará muito para ser apresentado a Sexta-Feira, um canibal que viria a se tornar seu amigo.
Eu tenho uma ressalva bem grande a respeito da primeira parte e tento tomá-la mais como uma crítica do que opinião do autor (ainda mais levando em consideração que é uma história com mais de 300 anos). Robinson inicialmente trata Sexta-Feira como um pagão e que precisa ser catequisado, mesmo tendo sua própria cultura e seu Deus. Ok, até certo momento consigo adotar isso como uma "necessidade de colonizador" que trata o desconhecido como pecado.
Outra ressalva da primeira parte é o final com muita informação, não apresentando o mesmo cuidado narrativo que metade do livro tivera até então.
Mas então vem a segunda parte. Já adianto, vai rolar um pequeno spoiler.
Pois bem, Robinson Crusoé saiu da ilha e passa sete anos em terra até que resolve voltar para "seu" cantinho no meio do oceano. Não apresentarei os motivos que o levaram a isso, mas são muito plausíveis. Os grandes problemas aqui são a nova jornada até o retorno à ilha, suas atitudes por lá e até mesmo o depois.
Ou seja, o restante do livro.
Sério, eu só consigo pensar em apenas um momento definitivamente importante (que mesmo assim foi deixado de lado). É como se quase toda a segunda metade fosse um derivado do livro principal, como novas aventuras (algumas mais rápidas do que outras) em que atravessaria mares e desertos, conheceria novos mercados e novas culturas. A escrita continua boa, mas a única sensação que eu tinha é que o livro já estava finalizado há muito tempo.
E toda aquela sensação de "necessidade de colonizador" torna-se ainda mais evidente quando percebemos o tratamento que o livro dá apenas para os "selvagens". O que posso adiantar é que todo aquele papo de Providência ficou na ilha.
Possui uma primeira parte espetacular e cuidadosa, mostrando que o homem nunca está desamparado e que não está sozinho enquanto tem fé, deixando tudo isso de lado com uma segunda parte completamente desnecessária em muitos momentos (quase que em sua totalidade), além de uma finalização incrivelmente abrupta.