Diego Rodrigues 22/04/2021
"Minha vida assim era melhor que a vida em sociedade..."
Nascido em Londres (a data é incerta), Daniel Defoe, filho de um comerciante bem sucedido, teve uma infância abastada e cresceu em um lar devoto. Ao longo de sua vida fez de tudo um pouco: foi mercador de meias, fumo e vinho, lutou na rebelião contra o rei Jaime II, foi à falência inúmeras vezes e preso por suas dívidas, se tornou agente de Guilherme III, publicou sátiras políticas que o levaram à prisão e à tortura, foi agente secreto e jornalista político, e claro, escreveu romances. Tido como o primeiro romance realista da língua inglesa, "Robinson Crusoé" foi publicado pela primeira vez em 1719, no formato de folhetim. A obra, escrita em forma de um diário autobiográfico, relata os dias de náufrago do jovem Crusoé, "rebelde sem causa" que aos 19 anos, ignorando as súplicas da mãe e os avisos do pai, deixa o aconchego do lar e a promessa de uma vida estável para se lançar ao mar. Tempestades, piratas e feras selvagens, nada disso é o suficiente para abrandar o espírito aventureiro do jovem Crusoé, que acaba encontrando seu lugar no comércio, vindo a se tornar um próspero produtor de açúcar em terras brasileiras. Mas o pior ainda estava por vir. Em uma de suas viagens ao continente africano, o navio que transportava Crusoé vem a pique e ele, único sobrevivente entre onze, acaba sozinho em uma ilha deserta em meio a vastidão do oceano.
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Essa parece ser uma história de aventura, certo? Mas não é! Embora os meios aos quais Crusoé recorre para garantir a sua sobrevivência na ilha sejam minuciosamente descritos, isto é, a construção de abrigo, a caça, o plantio, a domesticação de animais, a fabricação de ferramentas e utensílios, o tema central da obra é o despertar da consciência religiosa do protagonista. Isolado da sociedade e tendo a Bíblia como única leitura disponível, Crusoé mergulha em profundas reflexões sobre o homem e Deus. Afinal, sendo o único sobrevivente entre onze, teria sido ele, na situação em que estava, salvo ou condenado? Essa é a pergunta que provoca a primeira fissura nas bases religiosas do nosso náufrago. Enquanto luta contra as forças da natureza para sobreviver, Crusoé também trava uma incansável batalha interna contra seus maiores medos e os desígnios da Providência. A narrativa em formato de diário dá o tom de verossimilhança a obra e permite maior imersão no complexo psicológico do nosso protagonista, colocando o leitor bem no centro das crises psicológicas e religiosas que atormentam a mente e o espírito do pobre Crusoé.
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Essa foi mais uma daquelas leituras que acabam por se revelar totalmente diferentes daquilo que esperava, mas de uma forma positiva. Me fez lembrar de quando li "Frankenstein" esperando uma história de terror e acabei me deparando com uma obra filosófica sobre livre-arbítrio. Dessa vez, esperava uma história repleta de aventura e o que encontrei foi algo bem próximo a um romance de formação. Embora a obra tenha um forte teor religioso, ela não se limita a isso. "Robinson Crusoé" é também uma obra filosófica, bem como um romance que trata do individualismo e, ainda, um retrato do imperialismo. O tráfico de escravos, a prática do escambo, a cultura, a política e as relações entre as grandes potências que dominavam aquele século, tudo isso é trazido no contexto histórico que a obra apresenta e muito bem acompanhado de notas de rodapé que não nos deixam perder nenhum detalhe. Aliás, cabe aqui um comentário sobre essa edição da Penguin Companhia. Além das notas, o livro conta com uma rica introdução de John Richetti, professor de literatura inglesa na Universidade Columbia reconhecido como especialista na obra de Daniel Defoe, o que torna a experiência de leitura ainda mais completa, porém, essa introdução esmiúça a obra a tal ponto que contém vários spoilers, por isso recomendo que se faça a leitura do romance primeiro.
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"Robinson Crusoé" se tornou um dos livros mais lidos, traduzidos, adaptados e influentes da literatura mundial. A história do jovem Crusoé foi supostamente inspirada no episódio do náufrago Alexander Selkirk, marinheiro escocês que viveu quatro anos em uma ilha ao largo da costa chilena, no Oceano Pacífico, no início do século XVIII. Originalmente nomeada Santa Cecilia, a ilha se tornou famosa por causa do romance e posteriormente, em 1966, foi renomeada pelo governo chileno como Robinson Crusoé, uma homenagem ao célebre personagem de Defoe.
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