Karamaru 09/03/2019
UMA LAMÚRIA SEM FIM
Numa época em que ainda não se falava tanto em "nudes", um deles (enviado por e-mail!) inflamou o desejo do narrador de "Joana a contragosto". A partir daí, nasce uma relação intensa e conflitante entre um solitário homem de meia-idade e uma guria doidivanas, da qual não se revela muita coisa, exceto os excessos que praticava.
O enredo do livro se resume basicamente em um longo-desabafo-indignado-pós-pé-na-bunda-de-quase-200-páginas. O ponto de vista que o narrador assume, de certa forma, é até compreensível, haja vista que o episódio fatídico trouxe o caos à vida dele ("Hoje sou um cara solitário que acumula uma perda - antes era somente minha solidão" - p. 162).
Como ônus, o narrador-escritor escreve esse livro a contragosto, dando a entender que ele seria uma espécie de artimanha catártica, a qual, no fim das contas, não funciona, pois ela (Joana) é "página impossível de virar"; muitas hipérboles, algumas muito criativas, são utilizadas ao longo da narrativa para amealhar a dor de cotovelo do protagonista.
No meio de tanta "bad", Mirisola consegue simultaneamente destilar um humor corrosivo, que rende ótimos momentos no livro. Ele chega a tirar sarro do prêmio Jabuti pelo fato de “O azul do filho morto” – tido como um dos seus principais trabalhos; quero muito ler! – não ter ganho como melhor romance no ano de sua publicação. Trecho impagável.
Quem gosta de referências culturais em livros (curto bastante) encontrará diversas ao longo de "Joana a contragosto". Ana C., Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes... desfilam em algumas páginas. Um trecho delicioso é o que correlaciona "O corvo", de Poe, a Joana.
Com meu primeiro contato com Mirisola, não tive dúvidas de como esse cara maneja bem a linguagem; com certeza, irei revisitá-lo. Em "Joana a contragosto" há belas passagens, reflexões legais; a circularidade da narrativa, entretanto, incomodou-me. Mas vá; eis um coração dilacerado... Ainda assim, a impressão é de que o mesmo poderia ser dito em bem menos linhas.