Zuccari 27/02/2013
Quando Nietzsche chorou e me fez chorar.
Quando resolvi comprar esse livro, não sabia exatamente o que esperar dele. Desconhecia o autor, mas o enredo parecia promissor, as questões abordadas eram de meu interesse, as personagens retratadas na trama eram, no mínimo, instigantes e o título é daqueles que te desperta uma curiosidade absurda. Logo comecei a lê-lo e ele me atingiu de uma forma que eu nunca poderia imaginar.
Irvin Yalom liga duas figuras históricas importantíssimas num relacionamento fictício em um contexto histórico real da Viena de 1982. O médico e fisiologista austríaco Josef Breuer e o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Devido ao pedido eloquente ou ordem indireta da jovem Lou Salomé, que possuiu um relacionamento breve mas intenso com Nietzsche, Breuer o toma como paciente, porém, sua intenção não é tratar somente a doença física do filósofo, sua real intenção, o motivo pelo qual Lou o contatou, é tratar do desespero de Nietzsche. Entretanto, o médico rapidamente descobre que Friedrich está longe de ser um homem simples e aberto, e com qualquer disposição para falar de suas dores existenciais. Nietzsche se mostra uma figura distante, solitária e dotada de uma profundidade e força impressionantes. Breuer fica abalado com a pessoa do filósofo e se sente seduzido pela ousadia de seu discurso e de suas ideias, e sem entender muito bem o porquê, resolve se empenhar a curá-lo de seu desespero a qualquer custo, ao que Nietzsche se mostra resolutamente contrário. E no decorrer da relação entre os dois, constantemente invertem-se os papéis de médico e paciente, mestre e aprendiz.
As discussões que transcorrem entre os dois homens, ambos brilhantes, ao longo dos capítulos, são permeadas pelas teorias de Nietzsche, como a do eterno retorno, e abrangem as grandes questões que permeiam a existência: o seu significado, a questão da liberdade, das escolhas, o destino, Deus, a morte, o desespero. E conforme os dois disputam entre si quem está no controle, quem ensina e cura o outro, acabam, ao mesmo tempo, por confrontar seus próprios demônios, aprendendo um com o outro e vendo na relação de amizade que surge entre eles uma forma de alívio e cura para ambos. Em determinado trecho do livro, Nietzsche afirma seu desejo antigo de encontrar sua alma gêmea, alguém com quem pudesse ter uma verdadeira relação de amor, de amizade, para buscar uma verdade maior. E é exatamente isso que ele consegue com Breuer. A união filosófica entre dois homens tão diferentes, um, médico, casado, com filhos, abastado e aparentemente satisfeito com sua vida, e o outro, um escritor sem leitores, homem solitário, doente, com poucos recursos e com tendências suicidas, mostra que o desespero não escolhe classe social, não obedece a convenções sociais, ignora supostas virtudes e não tem qualquer tipo de restrição, ele simplesmente mora no coração de cada homem na forma de medo e angústia. Porém, mais do que isso, essa união mostra como o desespero pode unir duas pessoas aparentemente tão diferentes de maneira tão profunda e redimi-las.
O encontro entre Josef e Friedrich nunca aconteceu de fato, mas isso é irrelevante porque o vazio existencial é factual e aflige a todos nós humanos, demasiado humanos. Nós possuímos a tendência de crer em ilusões em nossa busca infindável pela verdade e nos perdermos por isso, mas esquecemos que "também a verdade é uma ilusão, mas uma ilusão sem a qual não conseguimos viver" (YALOM, P. 325, 2012)*. Diante de tamanha expressão filosófica na profundidade dos pensamentos e na busca incansável pela verdade expressa nos encontros desse livro, fictícios ou não, podemos compreender melhor a extensão do desespero existencial e de que modo combatê-lo. "Torna-te quem tu és". "Amor fati", ama teu destino. E por tudo isso, quando Nietzsche chorou, eu também chorei.
*Irvin D. Yalom. Quando Nietzsche Chorou. Tradução de Ivo Korytovski. Rio de Janeiro, Agir, 2012.