Li 03/06/2012
ler cura
A receita do doutor Irvin D. Yalom funciona. Pelo menos nos dois romances biográficos que escreveu: Quando Nietzsche chorou e A cura de Shopenhauer, ambos alcançaram ampla vendagem. São livros que funcionam por várias razões: a proposta de apresentar ao público dois filósofos cujas obras, de inegável valor pelo questionamento agudo do pensamento e dos modos de ser da sociedade da época em que viveram, são pouco lidos e conhecidos pelo público em leigo.
Outro motivo é o caráter terapêutico dos textos: em ambas as narrativas, na primeira o próprio Nietzsche e na segunda um especialista em Shopenhauer, passam por um processo de cura pelo diálogo. Ao longo das narrativas vamos conhecendo a intimidade, as fragilidades, as características do pensamento de cada um, os problemas com a família, a vida solitária, as polêmicas suscitadas pelas suas obras e posicionamentos.
A escrita de ambos é boa, mas a do primeiro é apaixonante, enreda o leitor até as últimas páginas. O doutor Irvin conta com uma equipe de pesquisadores que o auxilia na escritura de seus livros, pesquisadores, estudantes, especialistas. Em quando Nietzsche chorou, ele apresenta uma ampla lista de colaboradores. É nteressante a escolha dos pacientes tratados nos livros. Em Quando Nietzsche... não é o filósofo, mas a única mulher com quem ele cogitou estabelecer um relacionamento que procura o doutor Bauer, um do pais da psicanálise para pedir-lhe que trate de Nietzsche, a fim de cura-lo de uma depressão suicida.. A principio o médico reluta, mas acaba convencido, um pouco pela beleza da mulher, outro tanto pela singularidade do paciente.
É claro que Nietzsche se recusa a tratar-se, embora já tivesse passado por vários tratamentos. Suas justificativas fazem supor que ele tivesse acabado por aceitar sua condição de homem solitário, sábio, doente e pobre. Essa aceitação não é em nada a de um fraco, é a capacidade de se ver em plenitude, naquilo que o distingue entre os demais e naquilo que o nivela.
A incapacidade de relacionar-se, a hostilidade com que os acadêmicos e pensadores receberam as obras de Nietzsche e de Shopenhauer causaram neles profundas feridas. O primeiro chegou a ter crises de enxaqueca e apatia, que o abatiam por dias.
Quando Nietzsche chorou é recheado de diálogos entre o doutor Bauer e o filósofo, entre o doutor e Freud. São conversas de uma riqueza filosófica e ao mesmo tempo de uma fluidez e adequação (porque tratam das mesmas questões do homem comum: as escolhas, o amor, as ambições, a ética) que tornam o livro imprescindível para qualquer leitor.
Outro mérito do livro é a tese de que o terapeuta também se cura quando trata. Ele também tem seus demônios e como qualquer outro mortal precisa da relação com o outro. O terapeuta não está acima do paciente porque também humano, aquilo que o distingue dos demais, o conhecimento acumulado não lhe é suficiente para autocurar-se. O que se tem então é a troca: esse outro que o terapeuta auxilia a curar-se é espelho e referência com que o curador se vê. Se todos os terapeutas comungam com essa tese é algo a se saber Mas é com certeza uma das que o Doutor Irvin Yalom acalenta. E que compartilha com seus leitores. Há uma série na tevê paga Chamada Em terapia, na qual vemos como é árduo o ofício do terapeuta, sempre às voltas com as mais densas doenças da mente e da emoção, dele e de seus pacientes. Após cada episódio é impossível não suspirar por ele e pelos seus pacientes. Terá sido a criação dessa série influenciada pelo sucesso dos livros do doutor Irvin Yalom. É quase certo que sim.