Léia Viana 25/03/2012
Muito mais que poesia!
A poesia de Akhmátova é o romance da alma feminina, a expressão poética da luta de uma mulher escravizada pela sociedade burguesa, que busca sua personalidade humana. Não é alienada; seus versos refletem a alma de uma mulher numa fase de transição, época marcada por uma ruptura na psicologia humana e pela luta mortal entre duas culturas, duas ideologias: a burguesa e a proletária. Akhmátova não se alinha com a ideologia obsoleta; fica ao lado das idéias mais criativas. Aleksandra Kollontay.
Simplesmente lindo e muito bem apresentado, assim é essa Antologia Poética da poetisa russa Anna Akhmátova. Fiquei impressionada com a biografia curta apresentada na narrativa, mas que revela uma mulher sensível e com uma força enorme para lutar contra os horrores da Segunda Guerra Mundial e das autoridades stalinistas, com a única arma que possuía: a poesia.
Com a poesia não é assim. Os versos são a melhor armadura, o melhor disfarce. Você não tem que se entregar.
É com uma riqueza de sentimentos e de composições de versos que como leitores somos atingidos por seus poemas, que pouco é nos dito, mas, para quem lê sobre os horrores da guerra, estudou na escola ou conheceu alguém que teve parentes que viveram esse período negro da história da humanidade, percebe nas palavras de Anna Akhmátova, muito mais que poesia, querem aceitar irrevogavelmente este mundo com toda a sua beleza e sua feiúra, seus sons, formas e cores, e pedem da poesia não indefinição, mas clareza, não canção, mas discurso. A palavra tem de ser valorizada não pelo som que tem, mas por seu significado; não por sua música, mas pelo que afirma.
Essa poetisa caiu em minha vida por mero acaso, através de uma amiga que nunca havia lido um único verso de seus poemas, mas lembrou-se de mim ao ler uma estrofe dela em uma revista. Mergulhei profundamente na sua poesia que reflete tanto o seu estado de espírito, como os momentos de emoção que vivia junto à paisagem de Leningrado.
Mandelshtám expressou uma vez sobre Anna: Ela trouxe à poesia russa a complexidade e a riqueza da novela russa do século XIX. Anna, viveu sua época da maneira que pode e deixou registrado em seus poemas, para as gerações futuras, que mesmo diante de todo o horror da guerra, existe a possibilidade de uma visão poética da vida, existe a possibilidade de protestar entre versos e poesias.
Talvez haja em algum lugar vida tranqüila
e um mundo cálido, alegre e transparente...
Lá o vizinho conversa com a mocinha
por cima da cerca, ao entardecer,
e só as abelhas ouvem seus ternos sussurros.
Mas nós, aqui, vivemos vida solene e difícil,
respeitando os ritos de nossos amargos encontros,
em que o vento, com a sua insensatez,
interrompe a frase apenas começada.
Por preço algum ousaríamos mudar a suntuosa,
granítica cidade de glórias e desventuras,
os gelos refulgentes de amplos rios,
os sombrios, sinistros jardins
e a voz da Musa, apenas perceptível.
E, de uma maneira que sensibiliza, que fala da rotina do dia a dia, de uma Rússia em poder das autoridades stalinistas, mas não de forma nostálgica, triste, Anna, em suas poesias nos mostra uma realidade que não é possível pelos terrores da guerra, de uma rotina desejável, mas não vivida.
Leitura para ser refletida, para descobrir como os poemas de Anna pode nos levar a pensar não somente nos horrores da guerra, mas em nossos conceitos e postura diante da vida, das pessoas. Muito mais que recomendada!