Fabioxyss 19/03/2024
Pré-História: Uma Breve Introdução, de Chris Gosden
Li o livro para minha disciplina de História Antiga na faculdade, e ele é bastante interessante e apresenta e levanta diversas questões e reflexões, muitas das quais temos por certas (como ocidentais).
Critica a visão eurocêntrica tanto da História e de sua divisão quanto de seu amparo absoluto na ciência como única e verdadeira forma de ver e entender o mundo. Nos apresenta como existem inúmeras maneiras de ver e experienciar o mundo, e como a magia experienciada por povos não ocidentais afeta tanto o mundo deles quanto a ciência afeta o nosso, sendo tão importante quanto.
Fala muito da cultura material, de como os humanos e os objetos têm uma forte relação de interdependência, que o que nos difere como humanos não é a capacidade social apenas (golfinhos e baleias são excelentes nisso) ou a capacidade de fabricar artefatos (chimpanzés o fazem também, ainda que de maneira rústica), mas sim nossa sociabilidade através da cultura material, de nossos objetos e artefatos. Nos relacionamos uns com os outros e com o mundo por meio de nossos objetos, experienciamos o mundo através de nossos sentidos e também de nossos objetos; nossa socialização por meio de objetos é o que nos faz humanos.
Reflete questões de gênero, de como papéis e identidades de gênero na Pré-História e em muitas culturas do mundo são fluidos e flexíveis, podendo inclusive se alterar ao longo da vida após experiências e experimentação do indivíduo. Como ele diz, toda sociedade possui gênero e essa é uma questão importante para todas elas, mas nem todas interpretam e entendem o gênero da mesma maneira.
Descreve as migrações dos humanos na Terra, suas questões, desafios e problemáticas na hora de estabelecer datas e rotas, deixando muitas incertezas e controvérsias. Pincela sobre desafios, limitações e problemáticas da arqueologia. Discorre sobre nossas identidades, como as construímos e como nos vemos. Fala sobre o comensalismo entre humanos, animais e plantas, que conviveram e cresceram juntos ao longo dos milênios.
Em suma, nos dá um amplo panorama de diversas questões e áreas, nos faz refletir sobre o que nos une e separa enquanto seres humanos ? e mesmo sobre o que nos faz humanos ?, ou sobre nossa hipervalorização das palavras e do pragmatismo no mundo, abandonando a magia e outras formas de experienciar o mundo, como através de nossos objetos e de nossos sentidos, questiona o que se entende por inteligência, defendendo que a inteligência corporal é tão importante quanto a cognitiva (capacidade de resolver problemas) etc. É um livro bastante interessante, mas, como o próprio título sugere, é apenas uma breve introdução ao tema, mais preocupado em levantar e apresentar questões, reflexões e problemáticas do que ser um livro historiográfico sobre a Pré-História, tanto que a própria linguagem é bastante acessível e até informal, em primeiro pessoa e repleta de relatos e opiniões pessoais do autor.
Por fim, gostaria de pontuar um dos argumentos centrais defendidos pelo autor: o de que a Pré-História não deve tentar ser compreendida somente pelas palavras escritas (até porque estão ausentes nesse período), mas também pelas outras inúmeras formas de existência humana que vão além das palavras e que nos ajudam a interagir e compreender a nós mesmos, os outros e o mundo a nosso redor, como nossas relações com os objetos, nossos sentidos em sinestesia e tantas outras formas distintas de compreender o mundo que podem ser utilizadas para melhor compreender a Pré-História, momento de experimentação dos humanos, segundo defende o autor. E nesse sentido, ao mergulhamos nesse mundo tão amplo e diferente do nosso, a Pré-História, isto é, a História que vai muito além das palavras, tem muito a nos ensinar hoje.
É curtinho e bem interessante. Quem for ler, aproveite :)