Helen.Santolin 08/07/2020
Resenha
O livro elucida a mais complexa análise psicológica do andamento do processo penal. Por mais que a obra seja relativamente breve e os capítulos um bocado curtos, cada um deles é recheado pela crítica da forma de justiça escolhida – nos tempos modernos – para condenar ou absolver os atos relevantes para o direito. Por mais que a primeira publicação de tal obra tenha ocorrido no ano de 1965 dentro da realidade jurídica italiana, é notória a semelhança com nossa última atualização geral do processo penal. Com isso, é muito mais fácil celebrar a sensatez do autor em expor os erros do judiciário no ato de julgamento do acusado, tendo por base o nosso atual método brasileiro.
Francesco Carnelutti, nota-se, foi um homem religioso ou, ao menos, um estudioso da Bíblia. No decorrer de toda a sua obra, ele trata Deus como a base para as ações do réu, para a atuação do juiz, para a acusação do Ministério Público, bem como para o exercício do defensor. A partir da fé, tal autor dissertou sobre a importância das palavras ditas por Jesus serem aplicadas mais frequentemente nos atos da vida cotidiana, tanto quanto no processo jurídico. A título de ilustração, explana-se a seguinte ideia (2019, p. 85): “(…) é preciso passar a experiência amarga do juízo penal para começar a compreender a admoestação de Jesus. Infelizmente, quase todas as palavras de Jesus são ainda incompreendidas.” Claramente, em opinião própria, Francesco crê que só a sociedade evoluirá se envolver-se no manto da palavra divina.
Partindo da mesma ótica, os princípios bíblicos vêm à tona no momento em que o juiz anexa-se ao processo, a fim de julgar. O homem será mesmo digno em fazer justiça? Será que podemos nos definir aptos a ponto de não possuir pecados para, então, julgar os dos demais? Esta é a grande questão da obra toda.
Outro ponto extremamente interessante indicado por Carnelutti é a ideia de infinidade da sentença. Alguém é acusado, julgado pelo juiz togado, tem direito à defesa, submete-se ao Tribunal do Júri e, enfim, é condenado ou absolvido. Perante a justiça, tudo está de acordo com o instrumento maior: a Constituição. Porém, esta última está realmente adaptada ao meio em que se coloca? Se o réu é absolvido, será sempre visto como acusado de ter cometido um crime horrendo; se condenado, passará sua pena no cárcere e, se sair, terá o resto de sua vida arruinado pelas opiniões sociais. É impossível discordar que não há outra maneira se não condenar ou absolver, essa é a essência da justiça. Não obstante, é inegável a incompreensão do homem a ponto de não chegarmos a nenhuma conclusão acerca do modo de fazer justiça para que tais adversidades não ocorram.
A mentalidade é a parte mais íntima e também mais perigosa de qualquer pessoa. É a partir dela que o fato criminoso ocorre mas também é ela que instiga todo o julgamento processual e, como não poderia deixar de ser, faz parte do cumprimento da pena. Pois
então, este é o objetivo do encarceramento: punir com a restrição da liberdade, ou seja, maltratar psicologicamente quem cometeu a transgressão. Este acaba sendo, na visão do autor, o pior dos castigos, principalmente se tiver ocorrido um erro despercebido, tal seja, um erro judiciário. Se houve fatos mal julgados tanto pelo Estado-juiz, tanto pelos jurados, teremos então um acusado inocente. E quem poderá tirá-lo desta condição a não ser as provas? Neste sentido, se estas forem insuficientes para declarar inocência, teremos então uma falsa ideia partindo da premissa de que todos aqueles que estão recolhidos na penitenciária são malditos e culpados. Quem poderá defender, se o ser humano é falho ao ponto de errar nas decisões e, obviamente, não poder enxergar aquilo que não está explícito nas provas? É, entre tantas outras, a miséria do processo penal.