r.morel 05/02/2018
Breve Análise Literária
“… saco de dormir e isopor para a cerveja atrás, gravador na frente e, debaixo do banco do motorista, uma Luger descarregada. Fiquei com o pente de balas no bolso, pensando que poderia vir a ser útil se as coisas saíssem do controle. Credenciais de imprensa são legais de ter, mas em situações de tumulto uma pistola é o melhor tipo de garantia de privilégios.” (Hunter S. Thompson explica seus preparativos para uma Jornada com os Hell’s Angels)
1.Um dos termos da moda em 2017, incluído em dicionários, ganhou notoriedade ao ser dito e redito pelo presidente dos EUA, o famigerado Donald Trump, que não perdia a chance de atacar os dados e informações divulgados contra suas convicções e o republicano empresário bilionário bradava “Fake news! Fake news!” pondo tudo em um mesmo balaio. Factoide, porém, não é uma novidade; atualmente seu uso recorrente nos engana. No livro “Hell’s Angels” (1967), o repórter/escritor Hunter S. Thompson, doutor tresloucado em Gonzo Jornalismo, misturou-se aos motoqueiros que amedrontavam a Great American Society para apurar o que realmente acontecia e não acontecia e o que inventavam do que acontecia. Virou um deles, montou na sua moto barulhenta, entornou litros e litros de cerveja e gramas e gramas de entorpecentes (maconha, LSD… era uma prévia da sua obra-prima “Medo e Delírio em Las Vegas”) para enxergar nos (poucos…) momentos de sobriedade a face do monstro pintado pela imprensa.
Uma das manchetes sensacionalistas: “Eles se intitulam Hell’s Angels. Andam de moto pela cidade, estupram e atacam como saqueadores a cavalo - e se vangloriam de que nenhuma polícia é capaz de pôr fim à sua sociedade criminosa de motoqueiros.” (True, The Man’s Magazine, agosto de 1965)
2.O texto de Thompson em “Hell’s Angels” é mais jornalístico do que os parágrafos lidos em “Medo e Delírio…”, repletos de arroubos ficcionais cômicos, um passo além das técnicas libertadoras do Novo Jornalismo de Gay Talese, Truman Capote e demais escritores norte-americanos (e doutros países também: no Brasil cita-se Joel “A Víbora” Silveira como um dos expoentes do gênero). O livro é recheado de manchetes e notícias pinçadas por Thompson empregadas no intuito de ilustrar o seu ponto de vista de como jornais e revistas criaram um inimigo público ao repercutirem várias mentiras ou, no mínimo, relatos exagerados sobre a usual balbúrdia causada pela turma de motoqueiros marginalizados. Cometeram crimes?! Cometeram inúmeros e a ficha corrida sempre é um motivo de orgulho para se vangloriar nos bares e ruelas de São Francisco e adjacências. A questão de Thompson, e do seu livro, é o pânico disseminado pelos veículos de comunicação e a condescendência dos leitores com os artigos impressos. “Se está no jornal é verdade” é a máxima na mente das pessoas (e como não seria?!; a tendência geralmente é acreditar no próximo) e o princípio que alimenta a formulação das fake news e também a sua força: provar o contrário do que alardeiam caluniosamente pelos quatro cantos é tarefa complicada; publicado o equívoco os danos são concretos. A legitimidade da imprensa é o próprio convencimento; duro é rebater e depois vencer - os Hell’s Angels santos não eram e da situação que os transformou em pária (ok, eles já estavam nesse grupo), desenvoltos no genuíno American Way of Life, tentaram extrair o lucro rápido e fácil da (má) fama instantânea proporcionada por fotos de corpo inteiro e closes cinematográficos nas capas de periódicos e primeiras páginas coloridas; o público adora bandidos e bad boys… eles são bandidos e bad boys… a conexão estava feita para o bem e para o mal; quem tinha algo a perder com um punhado a mais de punições, sentenças jurídicas fraudulentas e rigor na vigilância policial certeza não envergava um casaco de couro preto.
3.Enturmado com os motoqueiros - Hunter venceu a desconfiança dos Hell’s Angels (eles não gostavam de jornalistas e escritores) - , sobressai-se do relato irônico e cru um sentimento de familiaridade tanto do autor quanto do público em geral que se assustava ao ler as reportagens sobre os feitos caóticos dos pilotos lépidos de Harley-Davidson, embriagados e prontos para uma briga de rua sem aviso prévio e delitos piores. O Fracasso, em uma sociedade que estima acima de todos o Sucesso, é o denominador comum suficiente para criar a empatia sugerida pelo narrador/personagem que se jogou de cabeça na pesquisa de campo e (quase) virou um deles. No capítulo 21, no final do livro, o ciclo de conhecimento se fecha, as divagações de H. Thompson inevitavelmente passam pelo tema esboçado acima e a conclusão de um dos Angels é realista: “Os Angels não gostam de ser chamados de fracassados, mas aprenderam a conviver com isso. ‘É, acho que eu sou’, disse um deles. ‘Mas você está olhando para um fracassado que vai aprontar um escarcéu antes de ir embora”.
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