Pedro 31/10/2020
Profundo, complexo, social e plural. Como raros livros de Ficção Científica são
Frankenstein é (possivelmente) o primeiro livro de ficção científica (FC) da História. O motivo para isso é aderência de Mary Shelley à acuidade da ciência da época. Como se tornaria comum no gênero, a existência do monstro criado pelo Dr. Victor Frankenstein era plausível, não pela magia dos monstros da imaginação europeia dos séculos anteriores ao XIX.
E é aí que muitas das similaridades com outros trabalhos da FC (quase) acabam. Até mesmo as possibilidades científicas do começo do século XIX (o livro foi escrito entre 1816 e 1817 e publicado em 1818) hoje parecem pouco mais do que delírios, graças ao aumento da complexidade das ciências naturais durante a segunda metade do século XIX.
Mais do que isso, a FC contemporânea puxa seu estilo (comumente) de movimentos estéticos que nem existiam na época em que Frankenstein foi lançado. Sua prosa é geralmente rápida e concisa, buscando descrever ou os processos naturais e científicos (como no caso de Júlio Verne e sua obsessão com clados, táxons, rochas, etc...) ou uma sociedade específica e seus movimentos (visto em autores como H. G. Wells e Ursula K. Le Guin). Em ambos os casos, a preocupação com a narrativa precisa e quase mecânica remonta aos movimentos Realista e (principalmente) Naturalista.
Mary Shelley, no entanto, escreve uma história gótica. Talvez nós não o chamaríamos de horror ou de terror hoje, mas ela certamente contém uma pitada disso. Victor Frankenstein não é apenas um cientista louco, também é um homem profundamente perturbado, constantemente acossado por medos e fobias. A prosa é complexa e grandiloquente, subjetiva e atormentada; diametralmente oposta à maioria da FC contemporânea.
É exatamente nesse contexto romântico, de mudanças radicais na (então) nova sociedade burguesa europeia, que Frankenstein continua vivo e atual. O livro pode ser estilisticamente a antítese do que boa parte dos leitores costuma imaginar quando pensa em FC, mas tematicamente continua tão relevante quanto possível. Educação, responsabilidade pessoal e espiritual, os limites morais da pesquisa científica, a libertação da mulher são todos temas explorados pela autora.
Apesar de um início até um pouco lento, e de um estilo que pode afastar muitos que se chamam de “fãs de ficção científica”, Frankenstein se mantém forte e atual pela complexidade e pluralidade de seus temas, pela sua prosa viva e evocativa, pelo seu papel inovador dentre os romances escritos por mulheres, as histórias de terror contemporânea, a ficção científica enquanto gênero, o movimento romântico, e a exploração oitocentista sobre educação, política e socialização no geral.
(E o livro também é curto e tem capítulos bem curtinhos, então a leitura não é difícil, mesmo em inglês. Até porque se você está lendo esta edição, provavelmente tem um Kindle, que tem dicionário de inglês embutido. E se não tiver um Kindle, tem internet e é só olhar no Google rapidinho)