o Meliante 13/09/2023
A institucionalização da dor, o espetáculo da guilhotina
A presente obra foi um dos marcos iniciais para os protestos que vieram a abolir a pena de morte na França, e nos traz uma reflexão acerca dos direitos humanos e princípios fundamentais penais, principalmente em relação a pena de morte e guilhotina.
antes de entrarmos nestes tópicos precisamos abordar o contexto histórico da época, a pena de morta na França é utilizada desde o reino medieval e foi evoluindo com a passagem das eras, os suplícios perduraram até o final do século XVIII, quando foram substituídas pelas penas de prisão, alterando assim o objeto da pena do corpo para a alma. a guilhotina se tornou um espetáculo excêntrico na época, o corpo do condenado era o objeto de punição, a guilhotina tinha como objetivo intimidar a sociedade de forma que não viessem a delinquir, mas acabou se tornando um espetáculo aberto ao público.
podemos fazer um paralelo com a obra Vigiar e Punir de Foucault. nela Foucault trata da evolução das penas de suplício até as formas de controle que estão inseridas no sistema prisional e nas penas. podemos notar em ambas as obras o panoptismo nas prisões, assim como as formas de controle e repressão das penas, entretanto Victor Hugo irá utilizar essa realidade para acentuar a mitigação dos direitos fundamentais dos condenados. ambos irão tratar do mesmo contexto histórico, Victor Hugo irá focar no sofrido processo que o indivíduo passa, desde a prisão até a guilhotina; enquanto Foucault irá tratar da estruturação desse sistema penal, e de que forma ele afeta o preso.
Vitor Hugo traz a tona em sua obra a pauta dos direitos humanos, com uma crítica certeira a estrutura das prisões e ao funcionamento das penas. ele pretendia defender qualquer homem que fosse condenado a pena de morte, pois para Vitor Hugo não importava a causa ou a razão da condenação, tampouco o passado do indivíduo, por conta disso não sabemos o passado do protagonista da história, nem as razões de sua condenação. o autor lança na obra uma proposta de reflexão, ao não especificar a trajetória do condenado, ficando claro que a vedação da pena de morte se pauta na essência do ato condenatório e não nas particularidades do preso, nem no crime do cometido.
o cerceamento dos princípios da dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais são abordados a todo instante na forma dos pensamentos do personagem, na sua passagem pela prisão de Bicêtre ele descreve um ambiente de trevas e condições inumanas evidenciando que a pena capital não era indolor nem rápida (como era defendida na época). além disso ele nos mostra também que o estado não somente ceifa a liberdade e a vida do encarcerado, como também comete o crime de punir pessoas inocentes (as famílias dos condenados), que muitas vezes são sustentados pelos sentenciados, e acabam ficando sem amparo do estado e a mercê da sociedade.
a estrutura dos presídios também se mostrava um enorme problema, o personagem descreve as condições das celas, as torturas físicas e psicológicas em que ele e os colegas passavam. a sistematização da pena de morte e dos suplícios dentro da prisão se tornou algo corriqueiro, podemos ver vários relatos deste tipo na obra: o recurso que demora a ser julgado, o padre que por conta dos seus discursos repetitivos não conseguia trazer conforto aos presos, o grande espetáculo que se tornou o dia da execução, a humilhação que o preso passava durante o transporte e durante o ato da execução, enfim, são vários exemplos de como a pena de morte se tornou algo institucionalizado.
para concluir o autor nos mostra que a pena de morte não se dá na guilhotina, mas sim durante todo o processo que o condenado passa até o dia derradeiro, todas as torturas, angustias, todo o sofrimento que antecede a morte, todo sofrimento dos inocentes que ficam a mercê dos estigmas sociais. podemos ver claramente a institucionalização da dor, da vingança, do estado que age sem motivação, da criação de um espetáculo que cerceia os direitos fundamentais, literalmente um ESPETÁCULO com direito a cadeira vip, pipoca e todas as atribuições que uma peça de teatro poderia ter. portanto podemos ver claramente que a pena de morte não foi e jamais será um método de correção efetivo, pois ele é estruturado na dor, na vingança, na punição. a institucionalização da dor e o espetáculo da guilhotina nos servem de exemplo para que nunca mais cometamos o mesmo erro, pois como vimos o estado pode ser injusto, criminoso e ser razão de uma barbárie sistematizada.