Alane.Sthefany 13/10/2023
O Último Dia de Um Condenado - Victor Hugo
No livro "O Último Dia de Um Condenado", Victor Hugo trás uma temática moral e ética sobre a pena de morte, fazendo o leitor refletir sobre essa questão, pois temos acesso direto ao diário de um personagem (de nome desconhecido) que foi sentenciado a morte.
O livro não nos apresenta muitas informações sobre o crime cometido, mas revela-nos no decorrer das páginas que o personagem matou uma pessoa, e foi por causa desse crime (assassinato) que ele está sendo condenado, devido a ausência das circunstâncias e do que motivou e incitou o personagem a cometer esse assassinato, torna-se difícil e desafiador para o leitor fazer um julgamento sobre o caso.
Durante a leitura, acompanhamos os seus últimos dias, seus últimos pensamentos e reflexões, e também o seu desespero ao saber a data exata que terá a sua sentença de morte realizada, que segundo o personagem, isso é ainda pior que a própria morte, saber que dia ela será sem poder fazer nada a respeito e muito menos algo que possa mudar o que sucederá.
A todo o instante, o personagem argumenta em sua defesa, tentando nos convencer de que ele merece ser castigado, mas não receber uma sentença tão pesada como essa. E que esse diário, com as últimas palavras de um condenado a morte tenha o poder de ao menos fazer as pessoas repensarem antes de criarem e apoiarem leis tão duras e semelhantes como essa, tornando a mão de quem julga um pouco mais leve.
"Este diário dos meus sofrimentos, hora por hora, minuto por minuto, suplício por suplício, se tiver forças de o levar até ao momento, em que me for fisicamente impossível continuar, esta história, necessariamente incompleta, mas tão completa possível, das minhas sensações não terá consigo um grande e profundo ensinamento? Não haverá neste libelo do pensamento agonizante, nesta progressão sempre crescente de dores, nesta espécie de autopsia intelectual dum condenado, mais alguma coisa que uma lição para aqueles, que condenam? Talvez esta leitura lhes torne a mão menos leve, quando se tratar outra vez de mandar deitar uma cabeça, que pensa, uma cabeça de homem, naquilo que eles chamam a balança da justiça?"
"O que é a dor física em face da dor moral! Horror e piedade é o que causam leis assim feitas. Dia virá em que talvez que estas memórias, últimas confidentes dum miserável, para isso tenham contribuído.
A não ser que, depois da minha morte, o vento leve estes bocados de papel, sujos de lama ou que vão apodrecer à chuva, colados como estrelas, nalgum vidro quebrado do carcereiro."
"Que o que aqui escrevo, possa um dia ser útil a outros, que isso faça deter o juiz prestes a julgar e que salve desgraçados, inocentes ou culpados, da agonia a que eu estou condenado! Porquê? Para quê? Que importa? Quando a minha cabeça tiver sido cortada, que me importa a mim, que cortem outras?
O Sol, a primavera, os campos cheios de flores, as aves, que despertam de manhã, as nuvens, as árvores, a natureza, a liberdade, a vida, tudo isso já não é para mim!
Ah! A mim é que era preciso salvar! ? É então verdade que isso não pode ser, que é preciso morrer amanhã, talvez hoje, sem remédio?"
O personagem tenta apelar que ele é uma pessoa comum como qualquer outra, que possui uma família que depende dele e que o ama, e por causa disso sofrerá às consequências dessa sentença atribuída somente a ele, mas que afetará inocentes além dele e de que nada têm culpa.
"Deixo mãe, mulher e uma filha. ? Ai! Uma filhinha de três anos, bela, rosada e delicada, com uns grandes olhos pretos e longos cabelos castanhos.
Quando a vi pela última vez, tinha ela dois anos e um mês.
Assim, depois da minha morte, essas três mulheres ficarão sem amparo: uma sem o filho, outra sem marido e a terceira sem pai. Três órfãs de diferente espécie, três viúvas em consequência da lei.
Concordo que eu devo ser castigado, mas o que fizeram essas inocentes? Nada importa que elas fiquem desonradas e reduzidas à miséria! ? É a isto, que se chama justiça?
A sorte da minha pobre mãe não me inquieta, porque já está velha; tem sessenta e quatro anos e este golpe a matará.
Também me não inquieto com minha mulher; não goza saúde, o seu espírito é fraco e morrerá também. Salvo se enlouquecer. Dizem que a loucura faz viver; ainda assim o seu espírito não sofrerá e, embora viva, dormirá como se estivesse morta.
Mas minha filha, a minha pequenina Maria, que a esta hora talvez esteja rindo, brincando ou cantando, em nada pensando, essa é que me causa vivas inquietações."
Vale ressaltar que a todo instante o condenado atribui a responsabilidade da pena de morte apenas ao juiz que o sentenciou e julgou o seu caso, ou seja, a todos os homens que criaram as leis e decidiram que as pessoas que cometeram crimes dessa espécie, o melhor seria a pena máxima e que isso era para o bem maior, o bem da sociedade. No entanto, não mostra sinais de arrependimento ou de autorresponsabilidade sobre o crime cometido, não tendo a capacidade de compreender que ele foi o único responsável por estar naquela situação, mas a todo momento se faz de vítima e coloca os outros como os vilões e que a vida dele se encontra nas mãos desses homens.
"Não estava doente! Na verdade sinto-me novo, sadio e forte. O sangue corre livremente nas minhas veias; todos os meus membros obedecem a todos os meus caprichos; o corpo e o espírito, de constituição própria para uma longa vida, são robustos. Sim, tudo isto é verdade, e todavia padeço duma enfermidade mortal, duma enfermidade causada pela mão dos homens.
Eis o que vão fazer de teu pai, esses homens, que me não odeiam, que me lamentam e que me poderiam salvar. Vão-me matar! Compreendes isto, Maria? Matarem-me a sangue frio, com cerimonial, para o bem da sociedade."
"Quem te amará? Todas as crianças da tua idade terão pai, exceto tu. Como te desacostumarás tu, minha querida, da festa dos teus anos, dos presentes, dos doces e dos beijos? ? Como te desacostumarás tu, infeliz órfã, de beber e de comer?
Oh! Se ao menos os jurados a tivessem visto, a minha linda Mariazinha! Teriam compreendido que é preciso não matar o pai duma criança de três anos.
E quando ela for crescida, se lá chegar, no que se tornará? Seu pai será uma das recordações de Paris. Corará de mim e do meu nome; será desprezada, repelida por minha causa, por causa de mim, que a amo com toda a ternura do meu coração. Ó minha querida Maria bem amada! É bem verdade que terás vergonha e horror de mim?"
Mesmo com todos esses argumentos, o leitor se pergunta o porquê do personagem se lembrar e pensar na família apenas agora que foi sentenciado a morte, e por que não antes de cometer o crime? O impedindo assim de cometer tamanha barbárie em um momento de raiva ou seja lá o que o motivou a matar alguém, pois até mesmo essa pessoa em que ele ceifou a vida, tinha uma família e pessoas que dependiam dele e o amavam; e que naquele exato momento, seja qual fosse a decisão que o personagem tomasse e escolha que ele fizesse, traria consequências que não afetaria somente a ele, mas todos a sua volta.
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Opinião Pessoal
Pela minha resenha, fica até parecendo que compactuo com a pena de morte, no entanto, sou apenas um indivíduo que acredita que nossas escolhas têm consequências, seja elas pequenas ou grandes e que todos devem pagar pelo que fizeram. Entretanto, eu não sou a favor da pena de morte, até porque a justiça dos homens e o próprio sistema é falho e muitas vezes corrupto, incontáveis são os casos que inocentes morreram sentenciados a pena de morte, e somente após a morte deles, descobriu-se que não eram culpados, mas inocentes do que foram falsamente acusados.
Não defendo bandido, e o mínimo que eles deveriam fazer são trabalhos braçais e forçados, invés de ficar apenas gerando gasto e sendo sustentado pelos homens de bem, através de impostos.
Quotes Preferidos ?????
Uma revolução se acabava de operar em mim. Até à sentença de morte eu sentia-me respirar, palpitar, viver no mesmo meio, que os outros homens; agora distinguia claramente, como que uma espécie de separação entre o mundo e eu. Nada já me aparecia com o mesmo aspeto que antes. Essas largas janelas cheias de luz, esse belo Sol, esse céu puro, essa alegre flor, tudo se tornava branco e pálido, da cor duma mortalha.
Os homens são todos condenados à morte com prazos indefinidos. Então o que há de extraordinário na minha situação?
Desde a hora em que a minha sentença foi pronunciada, quantos morreram, que se estavam preparando para uma longa vida! Quantos se me avançaram, novos, livres e sãos, e que contavam ir ver em tal dia cair a minha cabeça na praça da Grève! Quantos daqui até lá, que andam e respiram ao ar livre, e se movem à sua vontade, levarão um avanço sobre mim!
E depois o que é que a vida para mim tem de saudosa? Na verdade o dia sombrio e o pão negro da prisão, a porção de caldo magro tirado da celha das galés, ser brutalizado pelos carcereiros e pelos guardas-forçados, não ver um ser humano, que me julgue digno duma palavra e a quem eu responda, tremer sem cessar, não só do que tiver feito, mas do que me farão; eis pouco mais ou menos os únicos bens, que o carrasco me pode tirar!
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O que é a dor física em face da dor moral!
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Deixo mãe, mulher e uma filha. (...)
Assim, depois da minha morte, essas três mulheres ficarão sem amparo: uma sem o filho, outra sem marido e a terceira sem pai. Três órfãs de diferente espécie, três viúvas em consequência da lei.
Concordo que eu devo ser castigado, mas o que fizeram essas inocentes? Nada importa que elas fiquem desonradas e reduzidas à miséria! ? É a isto, que se chama justiça?
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Os mortos estão mortos (...); o sepulcro os guarda com segurança e o sepulcro é prisão de onde preso nenhum fugiu ainda.
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Há um homem, que vai morrer, e é preciso que o vá consolar. É preciso que esteja junto dele, quando lhe atarem as mãos e cortarem os cabelos; que suba para a carreta com o seu crucifixo para lhe ocultar a vista do carrasco; que seja massacrado com ele até a praça da Grève; que atravesse com ele a horrível multidão sedenta de sangue; que o abrace junto do cadafalso e que aí permaneça até que a sua cabeça vá para um lado e o corpo para outro.
Que venha então palpitante, tremendo da cabeça aos pés; que me deixem nos seus braços, aos seus pés; e ele chorará, choraremos ambos; será eloquente e eu ficarei consolado, o meu coração abrir-se-á no seu, tomará a minha alma e eu tomarei o seu Deus.
Mas este bom velho o que é ele para mim? O que sou eu para ele? Um indivíduo da espécie desgraçada, uma sombra, como já viu tantas, uma unidade a juntar ao número das suas execuções.
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Ninguém é mau só pelo prazer de o ser.
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Quando penso na minha vida e no golpe, que daqui a pouco a deve terminar, estremeço como se esta ideia fosse nova. A minha bela infância! A minha mocidade, estofo doirado, ensanguentado numa das extremidades.
[...]
O que é então esta agonia de seis semanas e este estertor dum dia inteiro? O que são as angústias deste dia irreparável, que desliza tão lentamente e ao mesmo tempo tão depressa? O que é esta escala de torturas, que vai acabar ao cadafalso?
[...]
Mas se os mortos voltam, de que forma voltarão? O que conservarão do seu corpo incompleto e mutilado? O que escolherão? É a cabeça ou o tronco, que é o espetro?
O que é que a morte faz da nossa alma? O que lhe deixa? O que lhe dá ou lhe tira? Onde a põe?