Cynthia 15/12/2011Fanny Hill - sexo,censura e representaçãoFanny Hill (ou Memórias de uma mulher de prazer) conta a história de uma jovem do interior que, órfã aos quinze anos de idade, tenta uma vida nova em Londres. No entanto, assim que chegou, percebeu que a vida não era assim tão fácil e, logo de cara, vai parar nas mãos de uma cafetina. Fanny Hill vive então suas primeiras experiências sexuais e a vida na prostituição, apaixona-se, conhece pessoas, por algum momento (logo no início) foge com o homem que ama, porém, após uma longa ausência do amado, volta a prostituir-se, tornando-se uma requisitada cortesã. O livro é narrado em primeira pessoa pela própria personagem, como uma carta ou um diário, e conta suas experiências, suas aventuras, seus desejos, pensamentos e, principalmente, sua vida que reflete e muito a situação de muitas mulheres na Londres do século XVIII.
A obra foi publicada pela primeira vez em 1748 e foi, durante muito tempo, considerada imoral e não possuía mérito literário. Colocado como o primeiro romance erótico publicado, John Cleland ultrapassou diversas barreiras do moralismo literário e social ao publicar algo que, por mais "baixo" que pudesse ser considerado pelas pessoas da época, retratava exatamente o que se passava nas ruas de Londres no século XVIII. Após a publicação do livro, não apenas John Cleland, mas também os editores e impressores foram presos sob a acusação de obscenidade e, em julgamento, Cleland teve de abjurar sua obra. Desde então, passaram a circular várias edições piratas do livro que, nos Estados Unidos, esteve proibido até o ano de 1966 (ou seja, mais de duzentos anos após sua primeira publicação). O livro é considerado um clássico justamente por, em diversos sentidos, ter aberto portas (e, por outro lado, fechado outras, já que teve muita dificuldade para ser aceito) para assuntos que por muitos anos foram considerados tabu e continuaram sendo vários anos depois, como a sexualidade e o erotismo. Mais do que um livro interessante, é uma peça fundamental na paródia política e filosofia sexual junto às novelas libertinas francesas.
Apesar do caráter sugestivo, o livro não é necessariamente pornográfico, mas posso dizer que tem muito erotismo. Muitas das cenas sexuais são descritas de uma maneira até poética, como se tudo fosse uma mistura completa de sensações, prazeres e desejos, com descrições bastante sutis dos momentos da relação sexual. No entanto, por mais que eu tenha gostado da narrativa e ter achado em muitos momentos até bem prazeroso (em vários sentidos), alguma coisa no livro não me agradou. Eu tenho um apreço muito grande por personagens femininas (por que será, né?), e sempre achei muito curioso reparar a forma como as atitudes e, principalmente, os pensamentos dessas personagens são colocados na narrativa pelo/a autor/a. No período em que foi publicado, a mulher ainda tinha dificuldades para se destacar na sociedade e poucas mulheres escreviam e eram publicadas. Ou seja: já era difícil encontrar escritoras, falando sobre sexo, então, mais difícil ainda (mesmo porque esse romance é considerado um dos primeiros romances eróticos).
John Cleland é homem. Sei que pode parecer um pouco exagerado da minha parte achar que é muito difícil para os homens, principalmente daquela época, escreverem sobre a essência de uma mulher, principalmente quando o livro é em primeira pessoa. Por mais que o livro seja bem escrito, por mais que a história prenda a atenção, me senti incomodada com o relato da maioria das experiências. Quando você lê um livro em primeira pessoa, a proximidade que você sente com a personagem é ainda maior e tudo o que é narrado e descrito parte dela mesma. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que a vida na prostituição não é fácil e, embora muito do que esteja no livro mostre como era a situação dos estabelecimentos que tinham o sexo como principal mercadoria, John Cleland faz parecer que não foi tão difícil para ela. O sexo sempre é uma coisa boa, prazerosa, como se houvesse um envolvimento, mesmo que indireto, mais profundo entre as mulheres e os clientes. A perda da virgindade se deu sem muitos problemas, o prazer estava sempre acima das outras coisas. Não sei vocês, mas creio que o sexo para as mulheres seja uma coisa diferente do que é para os homens. Claro que existem pessoas e pessoas, mas me estranha pensar que Fanny Hill nunca questionou suas relações sexuais, nunca sentiu asco enquanto estava com um homem. Tudo parece tão fantasioso e "prazeroso" para a mulher, as descrições e a narrativa tomam como foco algumas partes que eu não sei se realmente chegam a ser a atenção do sexo, que eu chego a pensar que só poderia ter sido escrito por um homem mesmo.
Mas o que torna a narrativa tão diferente feita por um homem da feita por uma mulher?
Eu, sinceramente, não sei responder. É algo que eu sinto, que eu percebo, mas não consigo explicar. Acho que mulheres também podem falar sobre sexo e escrever erotismo, e também podem sentir prazer em todas as relações sexuais mesmo que por dinheiro. Mas, por alguma razão, eu sinto que é uma questão, literalmente, de ponto de vista. Não meu, mas da narrativa. Imagino que, se fosse escrito por uma mulher, mesmo que abordasse exatamente os mesmos assuntos e as mesmas cenas, o livro teria um tom diferente.
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