R...... 06/05/2017
Histórias Diversas (1947)
Bela obra! Infelizmente a derradeira na coleção do Sítio do Picapau Amarelo (falo como fã) com coletânea de histórias curtas que exemplificam bem a proposta do Lobato, da seguinte maneira: o livro tem 14 narrativas, evidenciando momentos em que o autor traz personagens famosos do imaginário infantil para interação com as crianças, inserindo estas no mundo de diversão e aprendizagens na literatura, ciência, história, folclore, aspectos em evidência na época, natureza, mitologia grega, modernidade, entre outras coisas para serem descobertas na empolgante leitura. Tem um pouco disso tudo, destacando-se, em minha visão, uma narrativa cabal no paralelo que fazem entre Lobato e o racismo. Sobre isso acredito apenas em equívocos de contexto que poderia ser melhor trabalhado.
Me diverti bastante e vão aí alguns registros:
- As botas de setes léguas - Pequeno Polegar percebe que o problema que tinha não era tão grande assim. Vou até escrever a última frase: "Incrível que haja no mundo quem se aperte por tão pouco..." (frase de Emília, a Marquesa de Rabicó).
- A Rainha Mabe - Aquele momento de instigar a criançada na literatura e mitologia clássica. Dona Benta fala um tiquinho de A Tempestade (Shakespeare, meu filho) e pega um gancho em Romeu e Julieta para falar sobre a Rainha Mabe (uma fada relacionada à realização de sonhos - não sei mais que isso e toma-te Shakespeare de novo na inspiração da narrativa).
- A violeta orgulhosa - O texto mais curioso. Essa história, teoricamente relacionada ao orgulho vão, nas entrelinhas é um manifesto contra o racismo. Avalie aí... Uma flor branca nasceu em um canteiro de roxas, é chamada de Ariana e passa a menosprezar as outras julgando-se superior e melhor. No desdobramento leva uma senhora lição do Visconde e Emília, que tem argumentos que levantam a autoestima das flores menosprezadas e acabam com as pretensões de visão superior da Ariana.
Pensei em fazer ratificação à uma colocação científica do Visconde nesse conto (rapaz, do Visconde!), mas não vale a pena diante da mensagem maior do texto.
- A segunda jaca - Valoriza o folclore, trazendo a sacizada de volta para as aventuras. E ainda tem uma presepada que ocorre com a Emília (a mesma que ocorrera em outro momento com o Visconde). Acho que o Lobato quis quebrar um pouco a pose de boçalidade dela.
- A reinação atômica - É também curiosa e reflete ecos da bomba atômica, a essa altura conhecida pelo mundo em suas famigeradas detonações. Emília faz uma rápida visita a um local de testes, em segredo, e começa a ficar careca, o que fez o Visconde direcionar para radiação. Acho que era o contexto de medos e especulações no mundo, e o Lobato não deixou de mostrar isso para as crianças, que de um jeito ou outro tomavam conhecimento. O que se explicitou foi o terror que causavam, a ponto de coisas apavorantes (como árvores retorcidas). A história também tem uma cena muito bonita entre a Tia Nastácia e a Emília (não esqueçamos que foi o último livro sobre o Sítio).
Essas são algumas histórias e as outras tem também aspectos curiosos: Pedrinho cogita da Emília ser uma Fada; Lobato deixa uma história incompleta (O Centaurinho) que parece introdução para futuras aventuras; um paralelo entre sagacidade e ingenuidade diante de histórias espetaculosas (ocorrida entre Dona Benta e Tia Nastácia); personagens da cultura americana em projeção (Pato Donald e Mickey); fantasia; teatro, etc e tal.
Ah, tem uma coisa que preciso entender. A Emília é citada como ex-boneca. Eita! Em algum momento ela humanizou, tipo o Pinóquio. Será que dá para descobrir onde, na coleção...
O último Sítio do Pica Pau Amarelo... Ô dó! Não sabia (ou lembrava) quando escolhi para leitura.
Cada vez que leio só aumenta meu gosto por essa coleção. Lobato marcou muito e fico invocado quando, naquela pergunta de citar autor nacional, o povão muitas vezes (não estou generalizando e nem desmerecendo) vai no modismo de rasgar a seda para Machado, Alencar, Jorge Amado, Graciliano, mas às vezes não conhece seus livros intimamente, enquanto sabe muita coisa do Sítio e foram impactadas na infância por ele, sendo instigadas em interessantes histórias ou impulsionadas para a leitura. Aí o Lobato, que não é muito citado por polêmicas da atualidade, quando é, vem alguém e o resume ao racismo. Ah, vai se lascar! O que vemos em sua obra? O que revela?