spoiler visualizarKat 05/09/2021
Aventura e inteligência
Lembro muito bem da primeira vez que descobri a existência desse livro. Foi no 5° ano e eu ia para a biblioteca da escola no intervalo. Apesar de ser uma particular de bairro, não deixavam ninguém pegar livros, o que é um desânimo para crianças como eu era: as que tem desde cedo interesse por livros de ficção para escapar da sua realidade. Até pensei em ler no intervalo, mas esse só durava uns 30 minutos e o livro era longo.... depois de um tempo (se não me falhe a memória), achei ter visto que era uma edição recontada e eu nunca gostei desses tipos de livros... sentia como se me dissesem: você é burra demais para ler a versão integral, toma essa aí e não amola.
Enfim, anos depois acabei lendo "Viagem ao Centro da Terra" também do Verne, em uma outra escola que, ironia da vida, era pública. Eu AMEI. De qualquer forma, quis muito ler outros livros do Verne mas outras leituras acabaram passando na frente e apenas deixei as demais viagens estraordinárias na minha eterna lista do "vou ler um dia".
Assim que assinei o Prime Reading, fui atrás de reler "Viagem ao Centro da Terra" mas nenhum edição que me passasse confiança estava disponível. Porém, adivinhem só qual livro das viagens estraordinárias estava? Sim, isso mesmo, o meu velho conhecido "20 mil Léguas Submarinas"; o anseio do meu coração de estudante do 5° ano que acabou criando uma antipatia pelo livro por dizer que ele parecia longo demais, quando na verdade era orgulho ferido por não tê-lo lido. Eu o salvei na biblioteca do Prime Reading a contragosto, lendo outros na frente. Quando novos livros chegaram por lá, eu me forcei a começar ele por achar um absurdo ler outros empréstimos na frente de livros mais antigos.
Agora finalmente vamos deixar de lado a minha vida e falemos do livro... ou não, quem sabe ambos?
Comecei o livro com medo. Nas críticas que li, muitos falavam sobre como o livro era enfadonho e arrastado nas últimas páginas e que poderia ter sido menor. Porém meus receios logo sumiram quando bem no começo a narrativa se mostrou rápida em começar o que realmente importava: a viagem submarina do professor Aronnax, o seu fiel companheiro Conselho, e o arpoador canadense Ned Land, a bordo do Náutilus. Lá eles encontram um anfitrião misterioso: o capitão Nemo. Enquanto os dois primeiros ficam felizes com a possibilidade de uma viagem incrível pelas águas inexploradas, o nosso canadense será o contra-ponto perfeito entre os dois estudiosos, sempre desejando sair daquele confinamento. O conflito estava formado e Verne desenvolve muito bem os seus 4 personagens, já que o resto da tripulação do Náutilus é formada por outros sem rosto, nome ou importância.
Cada personagem é bem definido e execulta muito bem o seu papel. O professor é o protagonista perfeito para esse tipo de obra. Cientista com um interessante lado humano, é um pouco covarde às vezes, o que o faz fugir da briga e dar calado por resposta várias vezes à Ned Land. Um certo episódio com tubarões no livro me fez rir muito, e ele está conectado a esse querido professor. Ned Land é prático, irritadiço, mas de bom coração. Conselho é uma enciclopédia ambulante sem nenhuma vontade própria, mas compensa isso sendo quem mais faz humor no livro; suas interações com o canadense são engraçadíssimas.
Já o capitão... bem, ele é um enigma. Ele aparece como um auto-exilado do mundo no início, alguém que abandonou o mundo por ser talvez superior aos homens da superfície? Ele parece ter cortado todos os laços com a vida na terra. No decorrer do livro, Nemo vai ficando cada vez mais soturno, melancólico, e até raivoso. O seu final, assim como o do livro não me pareceu entendioso e arrastado, como vi alguns dizendo, mas CORTADO! PICOTADO! Terminei o livro com a sensação de que o Verne havia roubado algo de mim, me enganado. Só depois que li a nota de introdução (que sempre deixo por último), entendi que quem me roubou do passado do Nemo foi o editor do Verne, já que eles muito discutiram sobre isso com Verne fazendo a vontade de Hetzel mas nunca se conformando, pois sentia falta do que tivera que tirar. Soube, porém, que há um passado do capitão Nemo revelado em outro livro: "A Ilha Misteriosa"... se não fosse esse final, daria 4 estrelas e meia, por que realmente me sinto roubada pelo Hetzel, haha.
Antes de terminar, gostaria de tercer meus elogios aos cenários. Ao contrário do que esperava, a segunda parte é ainda melhor do que a primeira, e as últimas cento e poucas páginas são de tirar o fôlego. Uma hora eles estão prestes a morrer de asfixia no polo sul, depois são atacados por polvos gigantes, tudo isso para depois serem pegos por uma tempestade monstruosa na corrente do golfo! Tudo isso temperado por momentos de aparente paz e tranquilidade em que os personagens respiram de fortes aventuras externas travando batalhas internas e/ou entre si; de uma aventura para outra, então, eles vão mudando de forma bem natural, evoluindo enquanto a trama cresce e eles agem hora como agentes ativos, hora como passivos dela.
Sim, as passagens explicitamente científicas me cansavam um pouco, mas mesmo não entendendo muita coisa às vezes, eu me importava com aqueles três personagens puxados para tal aventura fantástica, e creio que qualquer um que abra sua mente e seu coração vai se sentir parte dessa viagem. Por mais que seja lembrado como um símbolo da ficção científica, Júlio Verne para mim é símbolo daquela aventura infantil que passava na minha cabeça durante a infância. E digo isso como um elogio! Ele fazia a ciência ser um encanto para qualquer um! Uma aventura sem inteligência, conhecimento e mudança de vida nunca valeram a pena para mim. Se eu um dia escrever livros de aventura, Verne será a minha maior referência.
Lido com o Prime Reading.
P.s.: E finalmente o coração da estudante do 5° ano pode descansar em paz, haha.