Feliky 21/12/2023
Peças muito cativantes
Vou logo comentando a edição e depois irei falar das peças separadas. A edição é o padrão dessa colação da Zahar. Com isso, quero dizer que a tradução de Mario é fluida e de fácil compreensão, então se você não tem o costume de ler as tragédias gregas não se sinta intimidado porque não é de difícil leitura as traduções do Mario. Ele também fornece notas explicativas mesmo para coisas mais básicas, como epítetos de deuses (que é algo que quem já tá acostumado com mitologia grega já tá careca de saber, mas pra quem quer começar pode ser confuso no primeiro contato. Não tem como adivinhar coisas como Loxias e Febo serem ambos Apolo, por exemplo). Ou seja, é uma edição bem amigável a quem está começando, o que considero positivo. Porém, assim como as outras edições dessa coleção, senti falta de textos complementares mais aprofundados a respeito do contexto da época, mas isso é gosto meu e não acho que torne a leitura prejudicada.
Agora, vamos às peças:
Ifigênia em Áulis - Nota 3
Essa aqui eu fui com muita expectativa, o que pode ter ajudado para ter sido facilmente a minha menos preferida das três peças agrupadas nesse livro. Não achei tão cativante e envolvente quanto as outras duas, mas ela definitivamente não é algo que considerei ruim. Ainda é interessante pensar no dilema que Agamêmnon enfrenta e eu achei a personagem da Clitemnestra carismática e compreensível. Há outro aspecto sobre a Clitemnestra que é legal de se pensar lendo, que é comparando sua personagem aqui com sua personagem em A Oréstia. Claro, não são os mesmos autores (aqui é Eurípides, a outra é Ésquilo), mas não deixa de ser um exercício interessante. De outros personagens familiares, também temos Menelau (aqui inicialmente meio insensível, mas posteriormente mais sensível) e Aquiles. A própria Ifigênia é uma figura trágica por si só, sendo tão jovem e assumindo uma responsabilidade tão pesada. Também temos algumas informações a mais de Paris que eu achei interessantes.
E comentário extra: eu diria que, por ora, essa é a obra grega antiga mais xenofóbica que li. Que a xenofobia é típica da Grécia Antiga não é novidade para ninguém, mas até então eu não tinha me deparado com isso nas obras mitológicas que li. No máximo, uma parte em Agamêmnon (da Oréstia), mas a xenofobia em questão era claramente para demonstrar a maldade da pessoa, então não era bem xenofobia do próprio autor. Aqui não, aqui a parte xenofóbica aparece como parte do discurso heróico de Ifigênia.
As Fenícias - Nota 4
Eu já tinha lido a Trilogia Tebana (Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona) antes, então foi interessante notar as diferenças presentes na versão de Sófocles e nessa versão de Eurípides. Mais interessante ainda foi notar que ambas versões são boas! Ou seja, eu recomendo ler ambas, mesmo que em tese sejam "mesmo cerne". A personagem da Jocasta ganha bastante voz aqui, assim como os filhos Polinices e Etéocles. Além disso, temos a presença de um outro filho de Creonte, Menoceu. Muito boa e envolvente.
As Bacantes - Nota 5
Essa aqui é super interessante e eu dou parte da razão a isso que um deus (Dionísio) é um dos personagens mais recorrentes. Que os deuses são presentes nas obras gregas não é novidade, mas ter um que é um dos personagens principais é mais interessante ainda porque nos permite visualizá-los melhor. Dionísio, em si, é uma divindade cativante por ser tão duplo. Ele é masculino e feminino (com "feminino" remeto mais a androginia do que mulher em si), ele é divertido e assustador, ele é grego e estrangeiro, ele é um pilar da civilização e tão relacionado a beira dela (os ritos da Bacantes, por exemplo, foram considerados alarmantes pelos próprios gregos nessa peça). Além do próprio Dionísio ser um destaque evidente, o enredo dessa peça é cativante e o seu final é chocante. Aliás, geralmente não me incomodo com spoilers de obras gregas porque tendo a já saber parte do assunto mesmo, mas dessa vez pulei a introdução das Bacantes porque é uma das poucas obras que eu não tinha contexto e eu queria experimentar em primeira mão...e logo digo, não me arrependo! Então, se você quer ter uma experiência mais interessante, eu recomendaria pular a introdução de As Bacantes e depois voltar.