Diego Rodrigues 14/11/2021
Extraindo do mal a beleza
Nascido em Paris, em 1821, Charles Baudelaire foi um poeta, crítico e tradutor francês, precursor do simbolismo e da poesia moderna. Aos 6 anos de idade perdeu o pai e teve uma juventude conturbada, marcada por expulsões do colégio e desavenças com o padrasto. Ao atingir a maioridade e receber a herança do pai, degringolou de vez. Passou a levar uma vida boemia e gastou metade de sua herança em apenas dois anos, o que levou a um novo conflito familiar e o bloqueio de sua herança por intervenção da própria mãe. Começou sua carreira literária escrevendo em periódicos e publicou sua primeira obra em 1845. Redigiu textos de crítica, artes plásticas, poemas e traduziu para o francês obras de Edgar Allan Poe. Essa última experiência serviu não só para que Poe irrompesse no velho continente, como também influenciou profundamente o próprio Baudelaire. Infelizmente a vida regada a álcool e drogas cobrou seu preço: os problemas financeiros e de saúde o acompanharam até seus últimos dias. Morreu em 1967, em Paris, depois de três anos sofrendo com as graves sequelas deixadas por um AVC que sofreu enquanto estava na Bélgica.
Sua obra prima, "As Flores do Mal", é um conjunto de poemas publicado pela primeira vez em 1857. Seis de seus poemas foram imediatamente censurados sob a acusação de ferir a moral pública (para o desespero de Baudelaire, que defendia a obra como um todo e via o corte de poemas como uma verdadeira amputação). Sem outra alternativa, Baudelaire decidiu retocar toda a obra, o que acabou resultando em 35 novos poemas. A nova versão foi considerada pelo próprio poeta como superior a anterior. Olhando em retrospecto, não é difícil entender o porquê do rebuliço que a obra causou na sociedade francesa do século XIX. Antagonizando o romantismo, Baudelaire abordou temas nada convencionais em sua obra, lançando mão de cadáveres, doentes, criminosos, bêbados e prostitutas como matéria-prima para compor seus poemas. Quem diria ser possível extrair o belo do feio e fazer da depressão, do medo, da loucura, da luxúria e da morte, poesia? Não é por acaso que a obra revolucionou não só a poesia mas a literatura como um todo, influenciando mestres como James Joyce, Marcel Proust, Thomas Mann, Rimbaud, Mallarmé e Eliot. Com suas flores, Baudelaire mostrou que sim, era possível fazer bela arte do lado mais podre do ser humano.
Esse é o primeiro livro de poesia que leio do início ao fim (sim, até então eu só tinha lido poemas avulsos) e o que tenho a dizer é que a forma como nos relacionamos com um livro de poesia é bem diferente, por exemplo, de um romance. Ao mesmo tempo em que é uma leitura mais casual (do tipo que a gente pega pra ler em qualquer hora e lugar), tem também o poder de conversar mais direta e profundamente com a gente. Talvez ainda mais no caso de Baudelaire, que toca fundo em nossas tristezas, medos e inquietações que nem sempre estão visíveis em nossas superfícies. Seus poemas são altamente depressivos, melancólicos e pessimistas, mas não nocivos. Não são do tipo que entristecem, muito pelo contrário, de certa forma, confortam. Li e reli, guardei trechos, revisitei os poemas que mais gostei e voltei pra reler alguns que não tinha entendido. Há muito tempo não tinha um "relacionamento sério" assim com um livro. Sem dúvida umas das melhores experiências de leitura que já tive. Já sinto falta da minha dose diária de poesia e sinto que esse será um daqueles livros que, de tempos em tempos, a gente pega na estante e abre numa página qualquer pra matar a saudade.
Quanto a edição da Penguin, ela conta com tradução, organização e introdução de Júlio Castañon Guimarães e três ricos apêndices de J. Barbey D'Aurevilly, Guillaume Apollinare e Paul Valéry. Os poemas em sua língua original estão sempre dispostos na página ao lado da tradução (a gente acaba aprendendo um pouco de francês) e, o mais importante, o volume respeita a estrutura da última edição retocada pelo próprio autor, em 1861. Baudelaire faleceu em 1867 e não conseguiu organizar a tão sonhada edição definitiva da obra. O livro ganhou uma edição póstuma em 1868, onde foram incorporados novos poemas, mas essa havia sido organizada por terceiros e ia contra a ideia de integridade da obra que Baudelaire tanto defendia. Essa nova leva de poemas, bem como os censurados, podem ser conferidos nos extras dessa edição. Ou seja, a edição da Penguin tem tudo para que o leitor tenha a melhor e mais completa experiência de leitura, trazendo a obra como foi pensada pelo próprio autor, mas não deixando de fora o material que saiu posteriormente.
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