Márcia 02/02/2011Efeito nocivo (Desculpem, mas acho que não pude me abster dessa vez de alguns SPOILERS, então só leia quem terminou o livro)Se em A Hora das Bruxas I Anne Rice me proporcionou páginas e mais páginas de tragédias, pecados e mistérios passados da família Mayfair, no segundo volume da série, ela completa o círculo de horror com as barbáries do presente. A Hora das bruxas II, além de concluir o relato dos arquivos do Talasmasca sobre as bruxas Mayfair, dá continuidade a essa saga com a bruxa do presente, a mais poderosa já existente, Rowan.
O primeiro volume enfeitiça pela maneira como a autora nos traz a história, pela apresentação de personagens tão fortes e vivazes e, especialmente, pela apresentação de Lasher ao leitor. No entanto, ainda não se tem ideia da natureza dessa critaura até o segundo volume.
O Talamasca ainda não possui arquivos que apotem o caminho do futuro de Rowan, até que o investigador encarregado da nefasta família cruza direto com o caminho da moça, através da ajuda oferecida a Michael Curry, o amor mortal de Rowan.
O efeito narcótico do livros começa quando passamos a entender COMO Lasher faz; COMO ele funciona e, finalmente, o porquê de todas aquelas mulheres, através de gerações e gerações, sucumbiram aos seus encantos a ponto de destruir a si mesmas e as pessoas ao redor.
Nesse livro, Anne Rice não nos quis mais como simples observadores da história, e se ela já me fazia sentir viva em carne e osso na Nova Orleans dos Mayfair, agora ela me faz sentir carne, sangue e ossos dos próprios personagens.
Rowan é apresentada como uma mulher forte, inteligente, extremamente confiante e decidida; assim como alguns de seus antepassados Mayfair. Ela se apaixona verdadeiramente por Michael, o que nos faz entender por que algumas das outras bruxas também se casaram com homens mortais comuns sem qualquer relação direta com a família.
A partir do momento em que a Rice entra na cabeça da Rowan para dar continuidade à saga no tempo presente, entramos na cabeça de uma das bruxas Mayfair que até então acompanhávamos sobre o prisma dos olhares de terceiros, observadores da Talamasca ou personagens próximos.
Através de Rowan temos contato direto com Lasher, e, acreditem, é assustador. Nunca me agitei lendo algum livro próximo a terror/suspense mas não conseguia ler mais de 50 páginas por vez de A Hora das Bruxas e depois dormir tranquila. Essa sensação de pavor, de agonia e inquietação que me acometiam quando eu confrontava Lasher junto com Rowan é a prova de que não é necessária a descrição de um personagem fisicamente assustador para provocar terror. Lasher é sedutor, ordinário, vil, ardiloso e sombrio. Possui ainda aquele “Q” de inocência calculada de seres de outros mundos que enfeitiçam e despertam interesses perigosos.
Pouco a pouco entendi que essa história estava muito longe de um final feliz. Ao mesmo tempo em que essa compreensão me abalava, de uma hora para outra a reviravolta chega e eu me vejo frente a frente com a verdade que a Rice quis oferecer dessa vez.
Rowan deixa de lado suas convicções e seu amor por Michael pela ciência e magia misturadas nesse único ser que ao mesmo tempo parece constituído de todas as coisas. As emoções humanas são exploradas sem dó pela autora, parece-me até mesmo cruel. Rowan se transforma ao mesmo tempo devagar e assustadoramente rápido numa completa bruxa Mayfair.
Anne nos mostra exatamente tudo aquilo de que ela estava sempre falando.
A cada página meu coração se apertava mais; como numa tortura. Mais que isso, como assistir a uma tortura. Nunca odiei tanto uma pergonagem, um ódio puro e irracional, humano. Anne me fez cair numa compreensão de humanidade incrível; somos vulneráveis à forças externas. Tão vulneráveis que o que queremos se resume a porra nenhuma. Pobre de nós, seres humanos, que dependemos da lealdade e força de vontade uns dos outros.
Nunca personagens foram tão ... reais para mim.
O efeito que essa história provoca é como um vício, ruim e irresistível, asfixiante a ponto de engolir o leitor, de jogá-lo quase que fisicamente no porão da bela Mansão Mayfair, sólida e fantasmagórica, nos confins da velha Nova Orleans.
Não pretendo ler Lasher tão cedo; preciso de tempo. Não me atrevo a atravessar novamente o caminho de Lasher sem me recompor, sem me conhecer mais um pouco.