spoiler visualizarZelinha.Rossi 26/01/2017
Paddy Clarke Ha Ha Ha é um livro de leitura simples, que flui facilmente, uma vez que narra, em primeira pessoa, os pensamentos e sentimentos de um garoto de 10 anos. Acompanhamos Paddy em seu dia-a-dia em casa, na escola e na rua. Vivenciamos um ambiente escolar da década de 60 (pautado pela rígida disciplina e pelas punições), um ambiente familiar onde impera o machismo, as intensas discussões entre os pais (as quais refletem intensamente na vida das crianças) e a violência doméstica, acompanhamos as traquinagens infantis (muitas que apresentam até mesmo um requinte de crueldade) e percebemos junto ao narrador as mudanças ocorridas em seu bairro (instalação da rede de esgoto, asfaltamento, criação de novas ruas e casas) e como isso influenciava sua vida de criança (redução dos espaços para brincar, perigos que os campos de obras representavam para os garotos, etc.).
O estilo de escrita é muito interessante, devido à fragmentação. Paddy vai narrando a história em pedaços que, muitas vezes, são aparentemente desconexos, mas que, em outras se interligam (um fragmento, por exemplo, termina com uma frase sobre o tempo de vida de um rato; o seguinte narra o dia em que a família encontrou um rato no sanitário do banheiro).
O livro é, em alguns momentos, um pouco assustador, pois percebemos muita crueldade em algumas brincadeiras dos meninos. Destaco, aqui, o dia em que colocam uma cápsula com gasolina na boca de Simbad e a explodem e também a brincadeira em que precisam falar palavrões e serem castigados ao redor de uma fogueira. Aliás, quase tudo envolvia a necessidade de dar socos e pontapés. Patrick, mesmo quando quer consolar o irmão e ser consolado em virtude do sofrimento pelo qual passavam com a briga dos pais, lhe dá socos e murros. Sem contar a sucessão de roubos narrada ao longo da história.
Considerei muito interessante o processo de termos que, aos poucos, ir desvendando certos fatos que, na mente de Patrick, pareciam obscuros ou inofensivos, devido à malícia que já adquirimos como adultos, malícia que um garoto de 10 anos não possui e também devido ao nosso distanciamento.
A história é interessante por nos fazer lembrar da nossa infância. Muitos de nós, em algum momento, tivemos os mesmos medos do narrador (medo do pecado, medo das doenças, medo do escuro), muitos de nós já tivemos dúvida se amávamos ou fazíamos intrigas e brigávamos com nossos amigos ou irmãos, muitos já achamos que poderíamos mudar as coisas à nossa volta por acreditar que tínhamos controle sobre elas.
Por fim, a obra nos envolve e sensibiliza de tal maneira que nos faz querer abraçar Paddy, consolá-lo, mostrar a ele que sua necessidade de se expressar de forma um tanto quanto violenta é desnecessária, pois constitui apenas um reflexo da confusão de sua vida, especialmente no âmbito familiar. Apenas na última página, aliás, compreendemos o título verdadeiramente. O “ha ha ha” não representa a alegria ligada à infância (como eu inicialmente pensei), mas sim a zombaria pelo fato do pai de Paddy ter abandonado a família – o que é muito triste.
A obra cumpre o propósito que propõe – narrar a vida de um garoto de 10 anos, e o que se passa exatamente na cabeça desse garoto. Só isso, simples, claro e objetivo. Não há o que ficar tentando “escarafunchar”, achar profundidade psicológica, etc. Mas é essa simplicidade e esse excesso de fidelidade ao que é real na mente infantil que constituem a grande “sacada” do autor e da obra.