R4 03/02/2014
A adúltera iludida pelo Romantismo
Madame Bovary é a obra-prima de Gustave Flaubert (1821-1880), escritor francês do século XIX que foi considerado como grande nome do Realismo. O romance foi publicado em 1857 e causou grande comoção na França: primeiro, porque era uma história envolvente que cativou os leitores devido ao tema que denunciava o modo de vida burguês; segundo, porque a polêmica levou o escritor e seu editor ao tribunal, acusados de escrever um livro que incentivava os costumes adúlteros da mulher. Ele foi publicado em formato de folhetim na Revue de Paris. Por ser folhetim e por causa do incrível talento literário de Flaubert, as das traições de Madame Bovary é uma daquelas histórias que não queremos largar até chegar ao fim. Neste romance, não sobram e não faltam nenhuma palavra, porque tudo está lá por algum motivo.
O livro conta a história de Charles Bovary, que desde criança era um menino desinteressante que se forma em um curso básico de medicina que lhe permite atuar como médico em pequenas cidades do interior da França. Muda-se para a cidade de sua mãe, casa-se com uma viúva que possuía bens e passa a atuar como médico no lugarejo. Entretanto, ao visitar um de seus pacientes, conhece Emma. Após a morte de sua primeira esposa, casa-se com Emma e leva-a para morar na cidadezinha.
Emma é uma jovem sonhadora que foi criada em um convento, lendo livros românticos de má-qualidade. Ela adquiriu uma perspectiva extremamente sonhadora para o futuro, esperando da vida aqueles mesmos amores arrebatadores, os galanteios e as aventuras que leu nos livros. Depois do casamento, frustrou-se com a realidade matrimonial, a falta de romantismo de Charles que não lhe proporcionava momentos emocionantes e também não se envolvia com suas poesias. Foi no primeiro baile frequentado pelo casal, em Vaubyessard, ao valsar com um Visconde, que Emma percebeu o quanto de romantismo poderia ter em sua vida e começou a ansiar pelo luxo e pelo amor.
Ao voltar para sua casa, toda a sua vida como mulher de médico de província pareceu desmoronar. Charles passou a ser visto como um estorvo insensível. Com medo de sua depressão, seu marido e ela mudaram-se para uma outra província, Yonville, com a esperança que novos ares melhorassem o ânimo de Emma. É nesse lugar que Emma Bovary começa a praticar o adultério com diversos homens, endividar-se para presentear os amantes e encher sua casa de pequenos luxos. Lá, também passa a desprezar ainda mais o marido que trabalha sempre e não é tão elegante quanto ela desejaria que ele fosse.
Emma trai porque anseia por uma vida como a dos romances que lia na juventude e sempre se encontra frustrada porque não encontra em seus amores o que imaginava. Ela se desilude a cada vez e, por isso, acaba se arriscando cada vez mais. Gustave Flaubert é considerado como escritor pertencente ao Realismo literário porque vai contra o movimento anterior, o Romantismo. Além disso, denuncia a mediocridade da vida burguesa e utiliza-se de descrições detalhadas, assim como as obras desse período. A diferença entre Flaubert e o Realismo é que o escritor não é um simples seguidor de uma escola literária, porque sua obra é diferente de outras do mesmo tempo. A sua descrição não peca pelo excesso, porque cada palavra ajuda a entender melhor o tipo do personagem. No caso de Emma Bovary, podemos entender que ela se tornou uma adúltera desiludida, porque a criação das mulheres burguesas, à base de romances-românticos e idealismos, faz com que elas desenvolvam expectativas que nunca poderiam ser realizadas.
Madame Bovary é uma personagem polêmica porque é adúltera e forte. Emma seria uma personagem feminina na figura do "anti herói", que possui desejos que luta para realizar, possui uma graça obstinada que faz com que o leitor se preocupe com ela. Seus desejos são desmedidos e provocam problemas e dívidas cada vez maiores que encurralam sua pessoa. Quando Emma despreza Charles, nós compactuamos com ela. O livro instigou e provocou a sociedade da época porque a personagem possui desejos que a burguesia francesa não imaginava que mulheres podiam ter. A polêmica quanto a esse livro deve ter sido justamente porque ele expôs os maridos e as esposas de toda a França.
O romance Madame Bovary não mostra apenas a mulher adúltera. Ele expõe os costumes de toda a burguesia francesa através dos personagens, desde o casal principal, até os secundários, como o farmacêutico ambicioso, o fazendeiro galanteador, os empregados, e assim por diante. Cada um desses personagens formam um tipo que compõe sua classe, através da observação sagaz de Flaubert.
Portanto, a característica principal do livro é a de observar as paixões humanas, que podem ser boas ou más. Uma das maiores críticas ao livro, que foi levado ao tribunal, é o fato de que Gustave Flaubert não colocou um personagem moralizador pelo qual falaria o autor para dizer que as atitudes de Emma são erradas. A genialidade do livro está em deixar a interpretação para o leitor. Sendo assim, o livro é amoral e a leitura de cada indivíduo é que deve levar a reflexões sobre o futuro. É interessante notar que a tragédia final de Emma se dá mais para fugir de uma humilhação financeira ainda maior, do que por ter se envergonhado e sentido culpa por seus adultérios. Aliás, esta é apenas a minha leitura; porque a interpretação do livro pode variar e se expandir de acordo com cada leitor, e a cada releitura.
FLAUBERT, Gustave. (1857). Madame Bovary. Trad.: Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo: Nova Alexandria.2009. 360 p.