MR.Santi 19/01/2015
Labirintos internos
Imagine-se dentro de um carro que passa rapidamente por uma bela estrada. Sua visão percebe as coisas na mesma velocidade do automóvel. Certamente não conseguirá captar tudo na primeira vez. Imagine que esse carro para em frente a uma porta. Você desce, se aproxima da porta e entra onde quer que ela dê. Um labirinto se abre à sua frente. Você começa a se aventurar por ele. As muitas esquinas e curvas lhe levam a lugares que lhe dão a sensação de já percorridos. Você se sente andando em círculos, se sente perdido. Mas continua a caminhada e a procura pelo centro, até que o encontra. Sobe até um segundo nível que permite a visão de todo o labirinto e percebe que todas as voltas e esquinas foram necessárias para que você chegasse ao centro. Nenhuma em excesso. Nenhuma em falta.
O romance Barreira, de Amilcar Bettega, foi lançado em 2013. O gaúcho de São Gabriel, nascido em 1964, é autor de três livros de contos (O voo da trapezista, 1994; Deixe o quarto como está, 2002; Os lados do círculo, 2004). Já publicou seus contos em diversos outros países e ganhou duas vezes o Prêmio Açoriano de Literatura e uma vez o Prêmio Portugal Telecom.
Assim se estrutura seu primeiro romance: num labirinto de 253 páginas que nos leva de Porto Alegre à Istambul à Paris e de volta à Istambul. Uma estória em que não há um personagem principal, mas uma busca principal que une vários personagens. A história de um pai que, em busca da filha, retorna às raízes já esquecidas. A história de um pai (outro pai) que se encontra com a perda de um filho. A história de um artista recluso cuja maior obra talvez seja sua própria existência. A história das coincidências, do inexplicável e do indizível que formam e contornam a vida humana.
Bettega utiliza diferentes estilos de escrita. Vai da narração frenética, separada somente por vírgulas, sem parágrafos ou pontos, até a narração a que já estamos habituados, com parágrafos, pontos e falas indicadas por aspas, passando por mudanças bruscas de voz e discursos indiretos que, somados aos vários loops da narração formam a estória numa obra única. As descrições e utilização dos nomes turcos em abundância colocam o leitor dentro da cena, fazendo-o participar da estória. As descrições introspectivas, dúvidas, dilemas, verdadeiras guerras interiores dos diversos personagens, realizadas com maestria pelo autor formam o principal da obra. Os conflitos internos e externos, conforme as histórias chegam a seu ponto de encontro, vão moldando a noção de “vida real”; a noção de que, como no mundo concreto em que vivemos, naquela estória não existem heróis ou vilões, mas somente pessoas.
Sim, as histórias se encontram. Barreira é, sobretudo, uma estória fechada, com um início, um meio e um fim (apesar de incertos). Entretanto, ser uma narração em sua completude não a impede de abrir novas possibilidades a cada momento, de trazer novas ideias e novas visões a cada leitura. Barreira é um estória fechada (começa em um ponto e termina em um ponto), mas que se permite ser aberta (se permite ir muito além dos pontos de início e fim).
Como a visão inicial do carro, Barreira é uma estória que permite novidades a cada leitura. Certos pontos que passaram despercebidos ou borrados e confusos na primeira ida, podem tornar-se vistos ou nítidos na segunda, terceira, quarta... Como na imagem do labirinto, a estória permite perder-se, reencontrar-se, tentar novos caminhos. A história permite que acompanhemos os personagens, convivamos com eles. Nos permite segui-los em sua busca e aprender com eles que as buscas externas são muito mais internas do que imaginamos.
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