Craotchky 02/01/2018Verissimo, eu, e seu bode expiatório"De fato, a expressão profunda da narrativa está ancorada nesta incômoda sensação de esvaziamento do "eu", na perplexidade que advém do ato de defrontar-se com a engrenagem absurda que é a rotina, a vida imposta..."
Posso apostar que se você já leu O estrangeiro de Albert Camus deve ter pensado no livro enquanto lia o trecho acima. Entretanto, a passagem que você leu foi retirada do prefácio de Flávio Loureiro Chaves para o livro Noite, de Erico Verissimo. Segue outro fragmento do mesmo prefácio:
"O mundo externo, embora observável, é um labirinto enigmático e à impossibilidade de atribuir-lhe um valor essencial corresponde a equivalente impossibilidade de conferir qualquer valor à própria existência individual..."
Pois é, apesar de já ter lido esse livro há meses e jamais ter escrito algo sobre um livro tempos após a leitura, aqui estou. Desde que o li, volta e meia, sentia-me como um inadimplente, proprietário de uma dívida vencida. Loucura, claro, mas é que resenhei todos os outros nove livros do autor que li, menos este; até agora.
Bem, aqui estou para quitar minha dívida, expiar meu pecado.
Quando todos seus leitores esperavam com ansiedade a publicação do terceiro volume da saga O tempo e o vento, Erico surpreendeu com a publicação deste livro inesperado.
"Em geral o livro foi incompreendido até por muitos dos mais fiéis admiradores de Erico Verissimo, que não aceitaram facilmente essa narrativa angustiada e aniquiladora que interrompia o livre fluxo criador do grande romance histórico."
Noite, publicado em 1954, é uma história atípica na biografia do autor, sem outra que lhe seja semelhante. Aqui Verissimo insere novos elementos como Mistério e Suspense, ausentes nos seus livros anteriores.
(Por favor, leia a sinopse do livro e preferencialmente a sinopse cadastrada nessa minha edição do livro: Editora Globo, 1995.)
Assim como é visto em O estrangeiro de Camus, em Noite encontramos um indivíduo que busca seu lugar na sociedade que o cerca. O Desconhecido é alguém que não sabe quem é, onde está e, por isso, não sabe para onde deve ir; um indivíduo que não reconhece a si mesmo. É alguém que se vê isolado na multidão e que busca sua identidade.
As semelhanças com o livro de Camus não são tanto pelas cenas, ações, mas sim pelas questões levantadas por ambas as obras. A sensação de "estranhamento" do protagonista ao olhar para o mundo ao seu redor, a relação do "eu" com a sociedade, e "estrangeirismo" na sua própria terra.
O final pode ser chocante ou não pois é altamente interpretativo e posso garantir que há muitas interpretações possíveis para ele. Terminei o livro e fiquei sem entender nada da conclusão: será que é isso ou será que é aquilo? Será que pulei alguma parte importante? Será que não prestei suficiente atenção? Queria alguém com quem discutir esse final...