joyboy0 10/08/2024
Um Despertar Intranquilo - A Metamorfose
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.”
É sem dúvidas um dos inícios mais conhecidos e marcantes da literatura mundial, pertencente “A Metamorfose” de Franz Kafka. Apesar de ser um título curto, contendo cerca de 100 páginas dependendo da edição, não se deixe enganar, essa é uma das obras que até hoje consegue trazer diversas perspectivas, das mais variadas, ao mesmo tempo que consegue ser tão atual.
Através de seu estilo único, Kafka nos introduz a um mundo absurdo, mas ao mesmo tempo, familiar. Gregor Samsa, o protagonista, acorda e se vê transformado em um inseto. Esse elemento inesperado causa uma ruptura no habitual, no cotidiano, tal elemento nos leva a questionar, “o que é normal?” Tal transformação causa até hoje diversas interpretações, sendo um dos pontos mais interessantes e único do estilo do autor.
A obra nos põe perante o absurdo, sendo a transformação de Gregor, apenas a ponta de algo maior, uma ferramenta para explorar a fragilidade do real. O que é mais assombroso, Gregor se levantar e ver que se transformou em algo monstruoso, ou que está atrasado para o trabalho? Kafka direciona nosso olhar para as dinâmicas sociais e familiares que se desenrolam, desfocando da impossibilidade da situação, nos fazendo olhar para a banalidade da vida, a desumanização imposta pela sociedade perante sua própria existência. Sua metamorfose física pode ser vista apenas como uma manifestação externa de algo que ele já tinha se tornado internamente. Antes preso a racionalidade, a lógica, com uma constante aproximação da modernidade, vai sendo levado aos poucos a uma desconexão com o mundo ao seu redor, e com si próprio.
A reação da família e do ambiente ao seu redor, subverte as expectativas do leitor, que poderia esperar um clímax dramático ou trágico, mas em vez disso, Kafka nos oferece um desenrolar comum das coisas, juntamente com um desfecho quase banal, reforçando ainda mais o sentimento de absurdo.
“A Metamorfose” é uma obra que exige participação ativa do leitor. Kafka nos oferece fragmentos e metáforas, deixando- nos livres para montar a imagem completa e tirar nossas próprias conclusões. Tal diálogo entre o autor e leitor promove uma dialética, onde não há uma única interpretação “correta”, somos levados a uma desautomatização, onde passamos a olhar a narrativa, não sobre o ponto de vista do autor ou dos personagens, mas com nossos próprios olhos.
Com uma narrativa curta e aparentemente simples, Franz Kafka traz camadas de significado que exploram a essência da existência humana, a alienação social e a fragilidade da realidade. É uma obra que ressoa com leitores das mais variadas épocas, convidando-os a olhar a aproximação da modernidade e o afastamento da vida, questionando o que é “normal”. Somos lembrados de uma forma crua e direta, que a linha divisória que transpassa o absurdo e familiar, é muito mais tênue do que podemos imaginar.