otxjunior 22/08/2021007 contra O Satânico Dr. No, Ian FlemingAcho que é o primeiro livro da série que eu leio que é melhor que seu filme. É inevitável ignorar uma das franquias de maior sucesso da história do cinema ao acompanhar a obra de Ian Fleming, e um dos prazeres de lê-la é certamente reconhecer cada faceta dos bonds da telona representada no personagem de tinta e papel. Mas aqui eles não poderiam divergir mais.
A partir de um prólogo movimentado, segue-se um modelo obrigatório: reunião com M, escolha de armas, missão em um país exótico, reencontros com aliados, flertes com belas jovens, reconhecimento do QG do super vilão mestiço, cujo plano muitas vezes envolve elementos encontrados na série animada Scooby-Doo! Um diferencial é que o aliado aqui tortura (além de organizar outros sacrifícios cruéis), seguindo as ordens de um frio mas consciencioso James Bond. Eventualmente, sem medo de cair em spoiler, o assistente morre, para uma, essa sim inesperada, sentimental reação do agente com licença para matar. Essa flexibilidade de sentimentos, ou crescimento pessoal, pouco explorada em suas aventuras - literárias ou cinematográficas - parece inspirada pela bondgirl da vez, caçadora de conchas (gíria para vagina, mas eu posso estar lendo demais os símbolos), a única personagem jamaicana no livro "que não é de cor" e que ainda reforça o arquétipo de gênero "nasci ontem e já sou sexy".
Mas eram os anos 50 e além das doses de racismo e machismo, personagens fazem uso de cigarros e palitos de dente! Dito isso, gosto de pensar que Fleming tira sarro tanto dos hábitos metódicos de seus conterrâneos como de seus ideais colonialistas. O humor vai de nomes ridículos como Trueblood e Honeychile ao sexual, mesmo com tiradas homoeróticas! O fato do vilão sádico quase sempre ser um magnata é menos anacrônico infelizmente. Aliás seu aparato tecnológico relativo a vida marinha e planos de reclusão e dominação mundial não devem ser confundidos com o Capitão Nemo. É No, Dr. No.
Também não envelheceu em seu ritmo de ação para mim, apesar de que o agente 007 passe a maior parte do tempo conquistando a confiança das pessoas com quem interage, só para mostrar força e coragem inerentes a sua profissão nos últimos capítulos mais maratonáveis e até inclinados ao puro terror. De qualquer maneira, me diverti com todos, numa regularidade inédita na série até aqui. Ainda Fleming consegue dar um verdadeiro senso de ambiente, embora tenha notado uma geografia um pouco confusa em alguns momentos, e principalmente apresentar nuances para um personagem mundialmente famoso por ser o definitivo Cara. James Bond nunca apareceu tão desalinhado a um fim de missão, ou vulnerável. É como eu gosto do personagem, às vezes batido, às vezes mexido.