Filipe 01/09/2011
The boy named Crow can't fly
Este é um daqueles livros em que um sofisma se faz necessário para explicá-lo: o problema deste romance é o autor. Sim, o livro só não é bom por causa de Haruki Murakami.
Em "Kafka on the Shore", o autor japonês de maior sucesso dos últimos anos nos apresenta a odisseia do garoto de 15 anos Kafka Tamura, que foge de casa a fim de escapar da profecia edípica de seu pai e reencontrar sua mãe e irmã, há muito desaparecidas. Assim como Kafka, também parte em viagem o bom e simples Nakata, um idoso que, após um incidente durante a Segunda Guerra Mundial, desaprendeu a ler e a compreender o mundo dos homens, porém desenvolveu a habilidade de conversar com gatos e de prever o clima. Ao longo da obra, acompanhamos como os caminhos desses dois personagens convergem inexoravelmente para um mesmo ponto e como Kafka e Nakata lutam para descobrir a missão que lhes coube pelo Destino.
Murakami constrói caminhos tortuosos para um enredo com matizes surrealistas e especulações metafísicas, tais como sobreposição de realidades, eventos acontecendo fora do tempo, bem como o caráter onírico da existência. No entanto, para um projeto tão ousado falta-lhe técnica – a bem da verdade, menos técnica do que bom senso. O romance tem, de fato, deficiências: é demasiado descritivo, algumas das elucubrações metafísicas perdem-se a meio caminho e o ritmo do romance oscila muito, alternando longos e cansativos trechos com outros extremamente dinâmicos e instigantes. Contudo, tais problemas técnicos não chegam a arruinar o todo, e o romance, de uma maneira geral, prende o leitor com sua mistura de realismo e sonho.
O real estigma da obra reside no mau gosto do autor. Em primeiro lugar, na constante referência de Murakami a produtos, grifes e artistas do Ocidente, o que soa antinatural e absolutamente kitsch, ainda que possa parecer exótico e aprazer ao público japonês; em segundo, em sua insistência num erotismo trivial e grosseiro. O livro é permeado de cenas descabidas de sexo que, salvo raras exceções, pouco acrescentam à história. Tais episódios eróticos são mal executados e dificilmente se encaixam nos contextos em que aparecem. Por sua recorrência ao longo da obra, passam não a chocar o leitor (talvez sua intenção primeira), mas sim a irritá-lo por sua inverossimilhança, servindo apenas para desviá-lo do enredo propriamente dito. Perturbadora também é a obsessão fálica do autor, que parece sofrer de algum complexo, possivelmente o de Portnoy...
Ao fim e ao cabo, a impressão final que a obra nos deixa é a do que poderia ter sido, e não foi. Uma pena, pois "Kafka on the Shore" tem grandes momentos. Porém, para um livro de 500 páginas, os grandes momentos são curtos e por demais espaçados. Talvez se Murakami passasse menos tempo querendo ser Kafka, García Márquez e Philip Roth, o romance voasse mais alto e a obra fizesse jus ao sucesso do autor.