Sofia Dionísio 31/12/2023
"Importante para a literatura", mas asqueroso
Primeiramente, quero "desrecomendar" essa edição em específico. Ela não trás as notas do José de Alencar que são importantíssimas para a leitura, e eu só fui descobrir que li uma versão torpe, incompleta, quando na aula sobre o livro quase só discutiram as notas e eu que nem uma idiota "que notas?".
Bem, que livrinho merreca hem? Okay, eu vejo, eu realmente vejo uma competência literária, eu vejo como houve um labor sobre a arte da palavra, com uma pretensão específica e um sucesso claro na execução de tal pretensão. Mas... é só tão medíocre. Talvez o problema more na pretensão em si, talvez more nos objetivos torpes e na visão vil do autor sobre o objeto de sua paixão, os indígenas. Iracema é um nada, tanto obra como personagem. Me pergunto o quão tosco é essa comparação, mas não posso me conter: parece Avatar (o dos bichos azuis). Parece Pocahontas. É tudo a mesma coisa. O ponto de vista, a essência dessas três obras é tão similar que as três fedem à mesma merda. Na carta ao final, só posso sentir dó do autor, pois me compadeço de sua dedicação, compreendo o labor e o amor de se debruçar sobre uma obra, ainda mais uma que tenha exigido tanta pesquisa e dedicação. Mas ele me dá nojo. A forma como descreve os indígenas, os objetivos que ele pretende alcançar com a obra, a visão dele da língua dos indígenas, tudo, tudo. Me enche de nojo. Durante a leitura, eu mais de uma vez tive que fazer uma careta de náusea ou até simular uma ânsia, meu nojo por aquelas palavras sendo tão grande que eu precisava externalizar aquele sentimento, nem que em gestos para mim mesma.
Como Lucíola, essa é uma fantasia de poder para um tipo bem específico de homem que eu não sou e que eu desprezo. Não é à toa que (SPOILER) ambas morrem ao final, tendo completado sua jornada de engrandecer o protagonista e lhe darem um herdeiro. Talvez tenha uma autoconsciência aí. O quanto ela é miserável, o quanto o seu sacrifício não é exatamente nobre e belo, mas sim um tanto trágico e amargo, o quanto ela definha sozinha, por meses e meses, uma sombra do que já foi, o quanto Martim, representando o colonizador, só traz a ela, enquanto representante das américas "virgens" pré-coloniais, tristeza, doença e morte. Ainda assim, nem que lamentoso desse sacrifício, a intenção é criar um mito de origem épico, e as cartas de José de Alencar sobre a obra deixam claro que a autoconsciência da obra beira ao acidental.