carlosmanoelt 06/08/2024
Uma jornada épica de amores proibidos e choques culturais
Escrito nos anos finais da primeira geração do romantismo brasileiro, ?Iracema é uma obra inspirada por forte nacionalismo, que caracteriza essas produções românticas. À época, o Brasil era uma nação recém-independente de Portugal, fato que direcionava artistas de diversos gêneros a pensarem e construírem uma ideia de identidade cultural, de origem nacional, do que significa ser brasileiro. A narrativa passa-se no século XVII (entre 1603 e 1611), remontando aos anos da chegada dos portugueses ao continente sul-americano. Entretanto, trata-se de uma idealização da figura do índio, bem como do traumático processo colonial. A invasão portuguesa não despertou grandes paixões dos povos originários pelos homens europeus, como retrata a narrativa. Pelo contrário: os portugueses trouxeram consigo doenças, guerras territoriais, escravidão e estupro de indígenas, além do grande genocídio das populações que habitavam o território brasileiro.
Marco do indianismo romântico, é um dos romances mais conhecidos e importantes da carreira de José de Alencar. Publicado em 1865, a história onde o título é um anagrama de ?América? nos apresenta a saga da personagem feminina, uma mulher que precisa enfrentar os paradigmas culturais de sua época, em especial, a hostilidade entre os indígenas e os colonizadores, para conseguir consumar o amor com Martin, um homem branco, algo proibido, haja vista a situação do contexto histórico em questão. O escritor, no correr das páginas, traça uma explicação para as origens de sua terra natal, o Ceará, num ?épico? que aborda um dos maiores conflitos românticos: o amor proibido.
Sendo uma jornada que emana tensões, pois reflete a dominação espanhola no território português, destacando a força da união entre as coroas, a conhecida União Ibérica, com hierarquia da dinastia castelhana no bojo das colônias ultramarinas de Portugal. No desenvolvimento que transcende a mera história de amor proibido, o romance vai além da questão dos conflitos em torno da renúncia, numa abordagem simbólica dos relacionamentos humanos ao longo do processo de formação de nosso povo multicultural. Da união de Iracema e Martin, teremos Moacir, o primeiro cearense, o filho da dor. Para fazer o que tinha interesse, a jovem e bela índia corrompe os seus códigos, tendo no encontro com a morte um destino já traçado, pois sabia que diante da entrega ao colonizador, morreria como consequência inevitável, delineando os elementos da cartilha romântica.
Em ?Iracema, José de Alencar retoma os cronistas do descobrimento e seus detalhismo em relação ao processo de descrição do território ?achado?, dando novos significados aos textos documentais da Literatura de Informação. Mergulhado numa era de busca por progresso e transformação do Novo Mundo, o romance foi escrito e publicado no contexto da extinção do tráfico negreiro e da sustentação da ideologia progressista, dominação da natureza, etc. Repleto de figuras de linguagem, o romance traz ao leitor contemporâneo uma exposição dos constantes choques culturais que marcaram a nossa história e, ainda hoje, salvaguardadas as devidas proporções, ganham ecos, basta ver a conflituosa relação entre indígenas e garimpeiros, bem como as grandes empresas do agronegócio, um combate que envolve sangue e opressão.