Na escuridão, amanhã

Na escuridão, amanhã Rogério Pereira




Resenhas - Na escuridão, amanhã


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Arsenio Meira 07/09/2014

"Eu fugi, pai. Não aguentei até o fim. Teria fim?"

Rogério Pereira ficou conhecido no meio literário contemporâneo como o idealizador do prestigiado jornal literário Rascunho. Em seu primeiro romance ele honrou a tradição legada por LÚCIO CARDOSO. Uma família decide deixar o campo em busca de alguma esperança na cidade grande. E neste processo (também interiorizado) de imigração, um pai diabólico, com indícios de DNA nazista, uma mãe alheia, e dois jovens personagens - irmãos - submetem-se à perpétua brutalidade do pai, um psicopata, um ser doentio; sofrem os percalços de uma puberdade represada.

Como senão bastasse a perseverança das ruínas, irmanam-se ainda mais em meio a uma tragédia que cava mais fundo o abismo, que por seu turno, torna-se o ponto nuclear do romance. A partir de tal fato, a cidade grande deixar de ser uma esperança para transformar-se no exílio de cada um dos integrantes da família sem nome.Num primeiro instante, percebe-se na mudança do campo para a cidade, denominada apenas como "C", uma resistência, um traçado (breve) de luta contra a pobreza e o vazio da vida de outrora. Imigram. Todavia no comboio da imigração cada um carrega suas dores, seus suores e temores, como um membro do corpo .

O escapismo da mãe - que se entrega fanaticamente à religião, renegando os filhos a um estado de abandono - é mais uma nota digna muitíssimo bem pinçada pelo autor, neste romance que, em certo momentos, me fez custar a crer que se tratava da estreia do escritor curitibano. Novato, porta-se como um veterano; como veterano, porta-se afiado, emulando um fluxo amargo de consciência em estilhaços, aqui vivificado por meio das cartas que o filho mais velho escreve para o pai. As cartas são intercaladas com os capítulos, fixando na narrativa as revelações e o estertor que o sofrimento impõe a todos.

E tudo isso nos dá uma ideia angustiante de que a imigração não vai estancar: nem em pleno sol do Saara ou na "escuridão, a manhã." O livro é um exemplar raro de intensidade obtida mediante a eliminação de tudo o que não esteja em consonância com o talento literário, arte, canção triste, e drama. Sim, drama. Mas sem folguedos piegas ou fumaças de pretensa poesia.
Renata CCS 09/09/2014minha estante
Parece ser um livro intenso, com uma mistura dolorosa de sentimentos e angústias. Pelo visto, Rogério Pereira já disse para que veio em seu primeiro livro!


anitya 23/03/2015minha estante
Excelente resenha! Livro intenso e dolorido demais.


Arsenio Meira 23/03/2015minha estante
Oi Anitya,
Muito obrigado pelas generosas palavras. Prefiro ler um comentário seu ou de Renata ou mesmo de quem quiser discordar com base em argumentos (isso é tão importante quanto concordar) do que ver 40 "gostei" e etc. Vale mil vezes mais.
Um abração e uma excelente semana pra você.
Arsenio




Renata CCS 09/02/2016

O passado nunca acaba?
.
“Na hora de pôr a mesa, éramos cinco: o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs e eu (...). Cada um deles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho. Mas irão estar sempre aqui. Na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco. Enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco.”
(“A Criança em Ruínas”, José Luís Peixoto)

Há livros que nos conquistam pela intensidade narrativa, assim como há autores que, logo no primeiro livro, já dizem a que vieram. É assim com NA ESCURIDÃO, AMANHÃ, de Rogério Pereira: uma linda prosa poética dessas que machucam o coração.

Em tempos de autores apressados para terem seus livros publicados, Rogério Pereira precisou de dez anos para nos presentear com 128 páginas de uma saga familiar silenciosa, totalmente destroçada pela decadência dos valores morais diante da impetuosidade da miséria humana. Sim, Rogério surpreende pela maturidade com o livro de estreia. E que grata surpresa!

É a história de uma família marcada por um sofrimento silencioso, que acontece, principalmente, dentro de casa. Uma família marcada pelo que não é dito. Um pai tirano, que comete todo o tipo de violência e abuso, uma mãe submissa, que só faz rezar e padecer a cada dia, e três filhos desnorteados, que passam a duvidar da existência de um Deus capaz de castiga-los com aquela vida. A obra é de uma mistura tão dolorosa de sentimentos, amarguras e gritos silenciados que é quase claustrofóbica.

E não há nada de rebuscado no texto de Pereira, mas sim uma seriedade com que retrata o retrato cru de uma geração que sofreu com a falta de valores e princípios que nos faz mergulhar em uma leitura sufocante e perturbadora. É um livro que você não pode devorar: é preciso parar para respirar e ir digerindo com calma a história.

É um livro audacioso que deve – e merece – ficar entre o melhor da literatura nacional dos últimos anos.
Flávia 09/02/2016minha estante
Renata, essa epígrafe de JLP não é de Cemitério de Pianos? Lembro-me desse parágrafo, a cena em que o marido da Maria rasga um poema (este). Aliás, descobri José Luis Peixoto graças à Rogerio Luís Pereira. Presente duplo. Amei a resenha. Abraços!


Nanci 09/02/2016minha estante
Renata,
Não gostei tanto quanto você, mas é muito bom ler suas resenhas. Voltou a escrevê-las, em plena forma!


Renata CCS 09/02/2016minha estante
Olá, Flávia
Sim, vc está certa. E Cemitério de Pianos foi o primeiro livro que li de JLP. Que boa memória a sua!

Nanci,
Gostei demais, e lembrei-me, qd estava escrevendo a resenha, que o livro foi um presente do amigo Arsenio, que tb gostou demais dele. Mais um motivo para amar o livro!


Ren@t@ 09/02/2016minha estante
Rê, esse vai para a minha lista. Adorei a resenha.


Flávia 09/02/2016minha estante
Tirando o "Luis" que dei de presente ao Rogério Pereira rs, costumo ter boa memória qdo se trata de um livro que gosto. E ambos já li 2 vezes; estão entre os meus favoritos.


Bell_016 09/02/2016minha estante
uau, vou furar a fila de livros com esse


Helder 27/04/2016minha estante
Resenha instigante. Nunca ouvi falar deste livro, mas agora fiquei curioso.


Aline 20/08/2018minha estante
Mais um livro que solicito pelo Plus depois que dou uma confirmada nas resenhas e cruzo com a Renata. Olá, Renata. Estive aqui.




Luana Sousa 24/04/2020

Se eu nunca tivesse lido NADA do gênero, poderia até ter sido uma boa experiência.
Mas confesso que essa "fórmula" de escrita que venho notando em muitos livros
contemporâneos não me agrada nem me acrescenta nada como leitora, só me cansa.
--
É tão repetitivo que consigo elencar alguns dos tópicos gerais:
- faça o personagem relembrar a infância;
- inclua um acontecimento trágico ou um crime;
- acrescente uma atmosfera familiar opressiva;
- tenha um dos familiares agindo de forma abusiva;
- culpe um dos progenitores por você ser um "bosta" e ter uma vida de "merda";
- use uma linguagem fragmentada e frases de efeito;
- explore a dicotomia Deus/diabo e céu/inferno;
- ah! e Deus deve ser culpado pelos atos dos humanos (racionais e livres), pois
o esquema é se "vitimizar", afinal a culpa é sempre de um outro que não eu.
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Agora me diz, quantos livros você já leu que seguem essa fórmula?
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Paula 04/02/2014

Uma família em sofrimento
Há livros que nos conquistam pela sua força narrativa, ainda que a história arraste consigo nosso coração. É assim com "Na escuridão, amanhã", livro de estréia do escritor Rogério Pereira (Cosac Naify, 2013). A epígrafe, um poema lindo do José Luís Peixoto sobre a família, já sugere que as influências na escrita do autor são de grande peso. Esta é a história de uma família marcada pelo sofrimento, pela violência, pelo que não é dito. Uma família do interior, pobre, sofrida, mas o pior sofrimento é o que acontece ali, dentro da própria casa, fruto de um pai dominador, que comete todo o tipo de abusos. A mãe padece diariamente diante dos olhos dos filhos, sem saber nem como, nem se pode resistir ou lutar. A única coisa que faz é rezar, tentando de algum modo proteger seus filhos. Mas os filhos já não acreditam nesse Deus que os castiga com aquela vida.
Um livro marcado por perdas, ausências, gritos silenciados. Um grito de um filho questionando a vida, a existência de um Deus, e a figura desse pai, que ele nunca conseguiu compreender porque os machuca tanto. Um livro intenso, quase claustrofóbico nessa mistura tão dolorosa de sentimentos e angústias. Uma prosa poética, mas aviso: machuca o coração.

Rogério Pereira. Na escuridão, amanhã. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 127 páginas.

site: http://pipanaosabevoar.blogspot.com.br/2014/02/na-escuridao-amanha.html
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Ju Furtado 09/01/2015

Este livro pode ser lido em duas horas, mas eu duvido que alguém consiga.
Capítulos curtos, poucas páginas, e uma linguagem que atinge o nosso âmago, nos fazendo pensar, refletir, viajar.
Trata-se da história de uma família contada por ao menos dois prismas. O livro mistura narradores, fazendo da história uma espécie de quebra-cabeça.
E como é forte, intenso.
Recomendo aos leitores que não se importam em navegar em seus recônditos mais profundos, suas reflexões menos nobres, e suas críticas mais cruéis.
Não sei se alguém terá a mesma imagem que tive dessa obra, mas ela marcou um lugar bem significativo na minha lista de melhores leituras dos últimos tempos. E isso porque é apenas o livro de estreia de Rogério Pereira!!!
Arsenio Meira 09/01/2015minha estante
A princípio, até custei acreditar que se tratava da estreia; não por efusões inéditas; tanta gente boa já chegou marcando terreno... Mas pela intensidade do enredo, que a mim me marcou demais também. Ou melhor: eu não esperava por um romance de alta voltagem como esse. Em poucas palavras, você disse tudo.
Abraços.


Edison.Eduarddo 22/09/2015minha estante
O livro é bem forte mesmo. Imagens contundentes. E não é difícil imaginar que a realidade daquela família aconteça de verdade em muitas outras, não só do campo mas da grande cidade também.




Rodrigo1001 16/04/2023

Sufocante e Brutal (Sem Spoilers)
Título: Na Escuridão, Amanhã.
Autor: Rogério Pereira
Editora: Cosac Naify
Número de páginas: 128

Iniciei a leitura de “Na Escuridão, Amanhã” na noite de ontem, mas, em menos de 10 páginas, estanquei: o livro precisava ser lido de maneira contínua, sem pausas, e com uma certa preparação. Fechei-o e fui dormir.

Na tarde de hoje, então, me aninhei no sofá e consegui terminá-lo em menos de 4 horas.

Um livro curto, um quebra-cabeças que vai se encaixando à medida em que vamos entrando na vida de uma família de retirantes que deixa o campo rumo à cidade grande (o autor não nos diz os nomes dos personagens e conhecemos a cidade apenas por sua inicial) e que, de maneira brutal e sufocante, nos mostra o peso de uma família que se configura como uma batalha perdida.

Com uma prosa elegante, afiada e frequentemente poética, o autor mostra domínio total das palavras, pinçando sentimentos e cortando-os sob os olhos do leitor. Vamos acompanhando essa família com um nó imenso no peito. Não há cicatriz que não é tocada. O autor não poupa o leitor do hediondo, da barbárie e da dor. Está tudo ali, entregue em uma bandeja.

É um livro impressionante porque você começa a lê-lo de maneira despretensiosa e aos poucos você não consegue mais deixá-lo. É um livro pesado, denso e muito difícil de ler, porque nele se adensa tudo o que de mais desgraçado pode se abater em uma família. Trata de temas delicados e é orquestrado de uma maneira em que o leitor só entenderá exatamente o que leu quando chegar na parte final.

Fiquei surpreso ao saber que este foi o primeiro livro de Rogério Pereira, escrito no alto dos seus 40 anos, e mais surpreso ainda ao constatar que o autor, assim como eu, é Catarinense. Com toda a elegância da escrita e com o esmero com que desenhou seus personagens e o ambiente em que os colocou, o autor já nasceu consagrado. Por fim, me sinto orgulhoso de termos escritores deste calibre aqui no Estado.

Leva 5 de 5 estrelas.
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isa.dantas 10/11/2017

Livrão em formato de livrinho. Rogério Pereira mexe com nossas emoções de forma incômoda e ao mesmo tempo poética.
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Giovane 24/11/2017

Não há espaço para afagos aqui, a narrativa é um constante sufocamento na garganta. Rogério Pereira faz um corte nos dedos e deixa o rio vermelho escorrer pelas páginas; descasca a parede da indiferença e com impiedoso golpe nos faz curvarmos diante de uma beleza que só poderia brotar do amargor da palavra.
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willian.ferreira 25/06/2017

Horrivelmente belo
É a história de uma família, ou melhor, de suas cicatrizes. Contada de maneira não linear; contada à maneira de "se juntar os cacos", em que no final se tem uma visão geral de um quadro perverso. Com uma escrita bem tratada, com metáforas que nos incomodam e encantam, o livro causa uma sensação ambígua, dado que, apesar da forma, o conteúdo trata de assédio moral, estupro, suicídio e outras maldades, e no geral, tudo entre família.

Tendo em vista tudo isso, falar que a história é contada por dois irmãos (separados pelo silêncio), em que um manda cartas de indignação e ódio para o pai; enquanto o outro lembra alguns fatos da infância e adolescência, tanto no campo quanto na cidade, se torna algo menor.
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Guilherme.Marques 29/03/2017

Confusão e pecado
Lembra o meu primeiro contato com Cristovão Tezza (Juliano Pavollini), mas já com os defeitos do último (O Fotógrafo, apenas mediano). Aqui estão presentes os mesmos lirismo e fluxo de consciência, mas Pereira ainda não é tão hábil neste último quanto seu conterrâneo. Algumas vozes se confundem (são duas as principais, os dois irmãos, mas isso só fica claro na metade do livro), os tempos se entrelaçam desengonçadamente (a impressão que fica é de que o que foi narrado aconteceu quase ao mesmo tempo), restando no final um relato fortemente emotivo, quase bíblico, e (pro bem e pro mal) atemporal de uma família desgraçada.
Pandora 17/04/2018minha estante
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Messias 11/12/2013

na escuridão, amanhã
Quem chegar diante de na escuridão, amanhã deixo o aviso prévio de que está diante de uma raridade. A primeira vez que ouvi falar de seu autor foi em uma entrevista com a (sempre linda) Eliane Brum (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI190830-15230,00-A+VINGANCA+DE+ROGERIO+PEREIRA.html). Tive o prazer de conhecer o Rogério Pereira pessoalmente em uma noite de autografos onde após ter lhe dito que o conhecia da entrevista com a Eliane antes dos textos do Jornal Rascunho - do qual é fundador e editor - ele me confidenciou que de todas as entrevistas que deu essa estava entre as que gostava mais.


(Salvo esse parêntese para dizer que desde que fui muito bem apresentado aos textos da Eliane Brum tem sido cada vez mais natural ter como texto preferido aquilo que ela escreve sobre qualquer assunto que seja.)


Agora de volta a escuridão do Rogério. Em seu livro de estreia conseguiu o grande feito de já mostra a que veio. A medida que adentramos em sua janela vemos o cotidiano de uma família - pai, mãe, dois meninos e uma menina - em capítulos curtos (seriam mesmo capítulos?) que saem da zona rural e vão para a capital, decisão tomada pelo pai sem que o restante da casa tivesse direito a expressar opinião.


Diferente daquilo que é comum a escritores de primeira viagem Rogério não xinga nossa inteligência. Em na escuridão, amanhã vemos não só um dos melhores livros de estreia da literatura nacional dos últimos anos, mas além. A medida que vamos adentrando a escuridão do Pereira de Curitiba, nas cartas e memórias do personagem principal vamos percebendo que estamos diante de uma das maiores obras da literatura brasileira de todos os tempos.

site: http://messiaspe.blogspot.com.br/2013/12/na-escuridao-amanha.html
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Aline221 24/02/2023

Na escuridão, amanhã
O livro tem poucas páginas, capítulos curtos, diagramação confortável. Parece um livrinho que dá pra ler em algumas horas, mas não é! Definitivamente não é!
É uma história tão pesada que tive que parar em vários momentos pra respirar (não é a toa que na contracapa do livro a palavra "claustrofóbico" é mencionada). Que pai maligno! Que mãe omissa...
O fato que vai perpassando pelos capítulos é a morte da filha caçula que desde o início a gente percebe ter o dedo do pai envolvido.
Os capítulos são intercalados entre as cartas cheias de ódio e acusações do filho mais velho ao seu pai e relatos do filho do meio que as vezes parece estar falando com a mãe.
No final eu fiquei pensando se o que eu entendi que aconteceu no final foi o que eu pensei mesmo.
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GH 30/12/2016

Aqui, todo dia é noite.
Rogério Pereira sem dúvidas é uma das revelações literárias contemporâneas, escritor este que fundou em 2000 o Jornal Rascunho - uma das raras publicações de literatura do país.
Para entender esta obra grandiosa, ou melhor, para entendê-la um pouco mais, aprecia-la de melhor maneira, vamos a uma breve contextualização:
''Zulma, a mãe de Rogério, não pôde estudar. Como a maioria das crianças pobres da sua infância no interior de Santa Catarina, ela trabalhava na roça. Quando se rebelava, e às vezes acontecia, a avó a enfiava dentro de um barril e sentava-se sobre ele. Zulma ficava lá, confinada até que a vontade de brincar passasse. Por cima dela, o corpo da avó e toda uma tradição de gente parida só para a enxada.

Esta história contada por uma mãe que escreve pouco além do nome e jamais leu um livro talvez seja a mais importante da vida de Rogério. Assombrado pelo barril, ele acreditou que só escaparia desta sina se fosse capaz de preencher o vazio com palavras. Se o barril estivesse repleto de histórias, não haveria espaço para a escuridão – nem para crianças na escuridão. É por isso que, quando lhe perguntam por que criou um jornal literário num país onde ainda tão poucos leem, Rogério responde que é a sua vingança contra o barril. Agora, o barril é fábula. Como fábula é possível conviver com ele. ''
Este texto foi da coluna da Eliane Brum, que na época trabalhava na Revista Época, hoje colunista do El País Brasil.

Após essa breve contextualização, podemos afirmar duas coisas. A primeira é que o texto não é de lá todo fictício (isso se for a algum momento!), mas é quase uma biografia, uma auto biografia nas entrelinhas, visto que nem o nome os personagens é nos apresentado. A segunda coisa é que, levando em conta a veracidade e verossimilhança do livro em questão, o impacto é maior, é ensurdecedor. A leitura nos rasga os olhos e despedaça nosso coração.
A ordem cronológica, a linha do tempo do livro não é exata, pois ora é narrada pelo irmão mais novo, ora pelo mais velho. A lembrança também nos assombra durante a leitura, quando se co-relacionam com acontecimentos narrados. Ainda aproveitando o gancho da história de sua mãe (a qual inclusive tem uma das dedicatórias), Rogério aqui nos trás uma leitura claustrofóbica, pois o enredo é focado ou na ''roça idílica'' ou na ''C.'', termo usado para mencionar a cidade. A vida no campo não era perfeita, mas podemos concluir que era mais aceitável, mas o que choca é que, a visão que ele nos passa de ser mais aceitável é que lá, no campo, na roça, perto das plantações, tudo que vos acontecia ficava lá, era apenas lá. Eles viviam um isolamento brutal sob um autoritarismo psicopata de um pai cujo mesmo possui um caráter asqueroso. Submissos, ele, o irmão, as irmãs e mãe, viviam sob as piores condições imagináveis.

A mãe é uma personagem curiosa. Sofre todos os tipos de abusos, no entanto tem uma fé inabalável. É uma fanática religiosa, que sempre está rezando, orando ou lendo a bíblia. Tenta influenciar seus filhos a seguirem o mesmo caminho, mas sem grande sucesso. Em especial um dos narradores, cujo mesmo sempre se pega questionando Deus. Então podemos acrescentar mais uma coisa a qual remete a infelicidade da mãe, a descrença de seus filhos a sua maior crença. (Queria poder listar o que ela passa durante toda a narrativa, mas seria tudo spoiler e talvez perdesse a graça da leitura)

''[...] Como acreditar, como crer no Deus da mãe? No Deus misericordioso, se Ele nos mandou o demônio para cuidar do seu rebanho? [...] '' (Pág. 15)

O início do livro é composto por cartas e lembranças de um dos filhos que está na guerra e de lá, escreve ao pai (que provavelmente não lê nenhuma delas) e ao irmão. Lá ele se sente de certa maneira feliz, pois fugiu do campo de concentração que era sua casa. Mas também mostra, as vezes, um arrependimento, uma insegurança, se sente covarde, pois largou todos para trás sob os cuidados do - como ele mesmo diz - Demônio.
O livro tem um liricismo grandioso. É melancólico, reflexivo e, devido aos locais onde se passam ora numa roça isolada, ora em ''C.'', também subterrâneo. Observamos uma escrita aos moldes Dostoieviskano, um monólogo dolorido, bruto.
Há tempos eu não lia algo tão dramático, mas, veja bem, o drama em questão, o adjetivo inserido para rotular a obra não é de modo pejorativo, jamais. O drama aqui flerta com todo um cotidiano - infelizmente - vividos ou sabidos de todos nós. Escuridão é morte, Amanhã é incerteza, mas também a certeza que nada de bom virá, afinal, como pode algo de bom vir de uma família nascido e construída pelo pecado? E mais, guiada por um demônio, um lixo humano, moldado a asco? Não é pessimismo, é realismo.
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Fernando 06/10/2017minha estante
Excelente resenha!!!!




Pandora 17/04/2018

O que dizer? Gosto desta escrita lírica e poética que, ao mesmo tempo em que parece abrandar os fatos, oferece um rio latejante de emoções. Porém achei o texto confuso, não exatamente por causa das duas vozes, mas as lembranças ficaram muito misturadas e não foram ligadas umas às outras de forma a dar um sentido mais amplo e coeso. Para mim, ficaram como folhas jogadas ao vento.
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withsomegrace 14/09/2018

Um tapa na cara de quem diz que escritores brasileiros se perderam.
Conforme a escuridão do livro vai se aproximando, os parágrafos vão ficando menores e, por fim, o alivio de terminar essa leitura difícil. Certeiro, violento. Uma arma carregada ao alcance da mão.
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