Mariana 18/04/2015Tudo começa com um beliscão em Portugal. É assim que Leonardo-Pataca e Maria, a saloia, se enamoram. Diferentes das personagens da maioria dos livros românticos, os dois (e todos os outros dessa trama em geral) não compõem a classe social mais alta. São simples, modestos e práticos em suas ações. Somada à isso, a descrição de Manuel Antônio de Almeida não se aprofunda tanto no psicológico de seus caráteres quanto o faz na narração dos costumes sociais então vigentes, dos mais bobos aos mais críticos.
"Naqueles tempos uma noite de luar era muito aproveitada, ninguém ficava em casa; os que não saíam a passeio sentavam-se em esteiras às portas, e ali passavam longas horas em descantes, em ceias, em conversas, muitos dormiam a noite inteira ao relento."
Vários trechinhos soltos relatam como a sociedade daquela época pensava e agia. Pela sua objetividade e linguagem direta, Memórias de Um Sargento de Milícias distancia-se do romantismo e antecipa o realismo. Há inclusive quem diga que sua escrita se assemelha à de Machado de Assis. O autor usa várias expressões populares e foi criticado por alguns desleixos gramaticais. Por essas e outras, foi apenas amplamente valorizado após sua morte.
"Vidinha era uma rapariga que tinha tanto de bonita como de movediça e leve: um soprozinho, por brando que fosse, a fazia voar, outro de igual natureza a fazia revoar, e voava e revoava na direção de quantos sopros por ela passassem; isso quer dizer, em linguagem chã e despida de trejeitos da retórica, que ela era uma formidável namoradeira."
Mas enfim! Voltemos à estória. Leonardo-Pataca e Maria chegam ao Brasil e, sem restrições nem demoras, vão morar juntos. Fruto desse rápido ajuntamento nasce o menino Leonardo, que acaba por ser o nosso protagonista. Após seus pais brigarem, o garoto é abandonado (pois assim o considero, embora o livro tenha dado a entender que isso fosse um acontecimento comum) e passa a morar com o padrinho que tem muito apreço por ele. Tanto apreço que parece ignorar o fato de que o menino é uma peste. Virado nas diabruras desde pequeno, Leonardo tem índole de malandro e anda sempre com uma resposta na ponta da língua. Seu padrinho pena para fazê-lo ir à escola, e muito mais para fazê-lo cumprir seu sonho de torná-lo padre. Certo dia, em uma das visitas à casa de Dona Maria, amiga de seu padrinho, Leonardo nota a presença de Luisinha, a sobrinha da mulher. De tão esquisita que é, tem vontade de rir. Mas logo por ela brota em seu coração de "mariola" o primeiro amor. Ele encontra seu concorrente pela mão de Luisinha e de início tem de lutar contra a própria indiferença da menina. No decorrer do livro e por razões diversas, Leonardo encara situações como: fugir de casa, ser preso pelo major mais respeitado da cidade, encontrar um novo namorico e morar como agregado. Acontecimentos vão e vêm mas tudo na vida de Leonardo parece ir na contramão. Diz a comadre que o rapaz nasceu em mau dia!
"O coração de mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece."
Gostei muito! Leitura fluida, fácil e daqueles autores que parecem escrever como se estivessem contando um caso pra um amigo. Seu quê de parcialidade e humor sobre os acontecimentos é uma graça.
"Dizem todos, e os poetas juram e tresjuram, que o verdadeiro amor é o primeiro; temos estudado a matéria, e acreditamos hoje que não há que fiar em poetas; chegamos por nossas investigações à conclusão de que o verdadeiro amor, ou são todos ou é um só, e neste caso não é o primeiro, é o último. O último é o que é o verdadeiro, porque é o único que não muda."