João Moreno 20/09/2022A presença militar dos EUA no mundo
O livro 'A Segunda Guerra Fria' é o desdobramento do trabalho anterior de Moniz Bandeira ('Formação do Império Americano'), escrito em 2013, enquanto a destruição da Líbia e da Síria estava a ocorrer. A obra é a contextualização desses fatos. Por "Segunda Guerra Fria", o historiador se refere aos desdobramentos que aconteceram no Leste Europeu, na África do Norte e no Oriente Médio, com a derrocada da União Soviética e o avanço dos EUA (mais a OTAN) sobre a região. "(...) as rebeliões nos países do Oriente Médio e da África do Norte, bem como nos Bálcãs — Iugoslávia, Kosovo, Bósnia, Croácia etc. — e nas repúblicas orientais da finada União Soviética, a partir dos anos 1990, configuraram, por assim dizer, um desdobramento histórico, uma segunda guerra fria (...)".
É possível dizer que o texto se divide em duas grandes partes. A primeira é a da contextualização - e, em minha opinião, de longe a mais interessante. Aprendemos, com Moniz Bandeira, que 1) "a Eurásia, região que vai da Europa à Ásia, é central nas disputas geopolíticas, onde 75% da população mundial vive e estão depositados 3/4 das reservas de petróleo até então conhecidas". 2) que o Oriente Médio é uma criação ocidental; o ressurgimento dos movimentos islâmicos aconteceu com o financiamento estadunidense direto, fundamentado nos interesses estratégicos do país, numa tentativa de conter a "ameaça vermelha", 3) que a "guerra ao terrorismo" e contra o "narcotráfico, a partir dos anos 1980 para o primeiro e com o fim da União Soviética para o segundo, serviu como justificativa para financiar o Complexo Industrial-Militar, motor da economia americana, criando mais 2 milhões (...) bem como a cadeia de bases militares e tropas nas mais diversas regiões do mundo.” (p. 40).
Ainda na "primeira parte", o cientista político brasileiro destaca o papel da "Primavera Árabe" no "teatro de guerra do Oriente Médio" e dá pistas sobre a sua origem. Se, como escrevi em outro lugar, "(...) as principais buscas pela internet a respeito da "Primavera Árabe" apontam que esses eventos, registrados a partir de 2010, no norte da África, trataram da luta contra tirania, "[d]a ideia de que era possível derrubar um ditador árabe com protestos pacíficos, (...) aproveitando o potencial da comunicação via internet e redes sociais", o estudo da geopolítica revela que "as revoltas da Primavera Árabe não foram nem espontâneas e ainda muito menos democráticas, mas que nelas tiveram papel fundamental os Estados Unidos, na promoção da agitação e da subversão, por meio do envio de armas e de pessoal, direta ou indiretamente, através do Qatar e da Arábia Saudita."
A Primavera Árabe esteve umbilicalmente ligada às chamadas "Revoluções Coloridas (Sérvia, de 1998 a 2000; Revolução Rosa, Geórgia, em 2003; Revolução Laranja, na Ucrânia, em 2004) como uma consequência da chamada Doutrina Bush, colocada em prática no primeiro governo de George W. Bush Filho, a partir de 2001. Usando como justificativa a "proteção" dos EUA, o projeto tinha como objetivo promover ataques preventivos a nações consideradas antidemocráticas.
Na prática, essa "agenda de liberdade", que buscava auxiliar países com “governos democráticos inexperientes” [Palestina, Líbano, Geórgia e Ucrânia] e dar voz aos "dissidentes" em “regimes repressivos” [Irã, Síria, Coreia do Norte e Venezuela] foi, na realidade, a forma encontrada pelos formuladores da política externa norte-americana de "modelar o comportamento de todas as nações de acordo com os interesses e a conveniência do Império".
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em prefácio à obra 'A Segunda Guerra Fria', descreve como pessoas foram treinadas para agir como "forças especiais para intervenção encoberta", misturando-se e se infiltrando às manifestações pacíficas. Tais ações seguiam as instruções do livro 'Da ditadura à democracia', do cientista político Gene Sharp, o qual teve a sua tradução e distribuição em 24 idiomas financiadas pela Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), e que se transformou em manual para desestabilizar governos. Nesse processo, que não foi espontâneo e contou com financiamento estrangeiro (ONGs, Think Tanks etc), as reações dos governos locais às manifestações abriram margem à intervenção externa em nome dos "Direitos Humanos".
Vale destacar o que apontou Samuel Pinheiro Guimarães em seu texto introdutório: apesar das revoltas em nome dos Direitos Humanos, os resultados, para além da destruição de Estados-nação e do tecido social desses países, foi o surgimento de "regimes fundamentalistas muçulmanos não dóceis a seus interesses [dos países que financiaram as mudanças de regime], em especial pelo seu firme objetivo de implantar regimes e sociedades teocráticas fundados na Shari’ah, na lei religiosa."
Na segunda parte, por sua vez, Moniz Bandeira trata com detalhes do processo de intervenção na Líbia, na Síria, e também aborda a questão de Israel e dos conflitos envolvendo a Palestina. Para o primeiro país, “Proteger civis” foi o discurso adotado pelas nações ocidentais para o invadir e legitimar “a doutrina de intervenção humanitária”. Obviamente, tratou-se de retórica, pois a invasão, coordenada pela OTAN, subordinada aos EUA, matou de 90 mil a 120 mil líbios e estrangeiros, além de destruir infraestruturas, casas, creches, hospitais e escolas. Tratou-se de interesses estratégicos, petróleo, mas também de contratos para as empresas dos países vinculados aos aliados dos países centrais do capitalismo. Como exemplo, é possível citar a Inglaterra, que gastou E$ 300 milhões nos conflitos, mas distribuiu contratos de 300 bilhões de euros. para empresas britânicas.
site:
https://literatureseweb.wordpress.com/2022/09/20/a-presenca-militar-dos-eua-no-mundo-um-resumo-de-a-segunda-guerra-fria-de-moniz-bandeira/