Mateus 24/08/2019
Original e inovador, mas...
Posso dizer, com toda a certeza, que há anos não tenho em mãos um livro tão inovador e tão interessante quanto “S.”, escrito por Doug Dorst e criado por J. J. Abrams. E não é para menos: a obra possui quatro histórias em uma só e uma série de documentos e quebra-cabeças.
Em primeiro lugar temos a história do próprio livro, “O Navio de Teseu”, escrito pelo fictício V. M. Straka e que narra as desventuras de S., um personagem sem memória que se envolve em uma série de perigos para desvendar quem é e qual é a sua missão no mundo. Em segundo, temos as conversas de Jen e Erik, construídas através de anotações ao longo de todas as páginas do livro. Jen descobre “O Navio de Teseu” na universidade em que estuda e, após deixar um comentário em uma das páginas para o dono da obra, Erik (um estudante expulso, fã e estudioso de Straka), encontra alguém com quem conversar sobre sua vida, suas opiniões sobre o livro e o parceiro ideal para desvendar os mistérios do escritor. Em terceiro, temos a história do próprio Straka, que se envolveu em diversos crimes ao longo da vida e faleceu misteriosamente, deixando uma legião de fãs e inúmeros segredos. Por fim, temos F. X. Caldeira, tradutor do livro e que insere diversos comentários e observações ao longo da narrativa, sendo tão misterioso quanto Straka.
Já aproveito para fazer uma menção honrosa aos inúmeros documentos inseridos ao longo do livro e que servem para enriquecer ainda mais a história – vão desde uma bússola e fotos até uma mensagem em um guardanapo e cartões-postais. Aliás, um parabéns especial à editora Intrínseca pela linda impressão do livro (chegaram inclusive a importar um papel especial da China, por não ser encontrado no Brasil).
Tudo muito lindo, tudo muito interessante e inovador... Mas absolutamente nenhum desses elementos fizeram com que eu gostasse inteiramente de “S”. Os motivos são simples: 1) O livro em si, “O Navio de Teseu”, jamais funcionaria sozinho; 2) As vidas de Straka, Jen, Erik e Caldeira são muito mais interessantes do que o próprio “O Navio de Teseu”; 3) As quatro histórias não são desenvolvidas o suficiente, despertando uma curiosidade que nunca é saciada; e 4) Os quebra-cabeças podem até enriquecer a narrativa, mas no fim, deixam a história um tanto cansativa.
Explicando melhor...
O principal problema de “O Navio de Teseu” é que, como exposto na maioria das anotações de Jen e Erik ao longo das páginas, é uma obra extremamente metafórica e reúne uma infinidade de elementos da vida do próprio Straka. Sem um conhecimento prévio da vida do autor ficcional (o que só é exposto ao longo das anotações dos dois amigos), a história é um tanto caótica, desorganizada e, principalmente, sem sentido. Sei que “S.” foi pensado como uma obra híbrida (livro + anotações + documentos), sendo desvendada pouco a pouco, mas acredito que o livro em si é o elemento chave da narrativa e deveria funcionar melhor sozinho.
Se por um lado “O Navio de Teseu” acaba sendo desinteressante por sua desordem, as vidas de Straka, Jen, Erik e Caldeira despertam a curiosidade de imediato. Straka e Caldeira têm vidas obscuras e estão envolvidos em crimes e outros mistérios não solucionados, o que daria um livro muito mais surpreendente do que a sonolenta história do desmiolado S. O mesmo com Jen e Erik: fiquei imensamente curioso para saber mais sobre o dia a dia de Jen na universidade, a viagem e o trabalho de Erik e a busca dos dois pelas pistas de Straka. Tudo isso é mencionado, mas nada é desenvolvido ou concluído.
Por fim, é triste ter que reclamar dos quebra-cabeças, mas não funcionaram 100% para mim. Após a metade do livro a história fica tão cansativa que já não aguentava ter que parar a leitura para ler documentos que, muitas vezes, não acrescentavam nada à história. E pior: muitos deles estavam nas páginas erradas e outros até hoje não sei onde deveriam estar, pois todos têm lugar específico. Não sei se acrescentar uma lista com as páginas a qual os materiais pertencem seria uma solução, já que isso tiraria a espontaneidade da ideia, mas pensar que o livro pode cair e tudo sair da ordem não é nada prático e um pesadelo de se imaginar.
Enfim, posso dizer que “S.” é uma obra com um uma ideia extremamente interessante e de potencial incrível, mas que nem de longe alcançou sua proposta. Acredito que o principal culpado seja o tamanho do livro, grande e complexo demais para múltiplas camadas, deixando tudo cansativo e inteligível, se não insuportável. Mas apesar dos pesares, com toda a certeza indico a leitura – dificilmente encontraremos uma obra com um formato tão original quanto “S.” um dia.