jota 30/01/2012Maupassant, bien sûrSão 14 contos de Guy de Maupassant (1850 - 1893). Durante cerca de sete anos o autor teria enviado a Gustave Flaubert tudo que escrevia para que o mestre desse sua opinião e seus conselhos. Deve ter ocorrido isso mesmo, pois Maupassant escreve tão bem quanto o autor de Madame Bovary. Tem horas em que você se sente transportado para os lugares de que ele fala, parece estar vendo as personagens circulando, conversando, interagindo. Muito bom.
A primeira história é justamente a que dá título ao volume. Bola de Sebo é o apelido de uma prostituta rechonchuda e graciosa, que existiu mesmo e se chamava Adrienne Legay, mas que aqui é a personagem Mlle. Elisabeth Rousset. Este primeiro conto é muito bom.
Maupassant nutria grande simpatia pelas prostitutas. Outro conto longo deste livro, A Pensão Tellier, é sobre uma cafetina (mme. Tellier) e suas meninas, que suspendem as atividades da pensão (um bordel "familiar") por um dia inteiro para que pudessem viajar para um vilarejo distante, onde uma sobrinha de madame Tellier fazia sua primeira comunhão. É irônico e engraçado. Não foi tão engraçado para Maupassant, que morreu aos 43 anos. De sífilis, parece.
Em Família é um dos contos mais bem-humorados do livro. É longo, como se fosse uma longa anedota. Percebi através dele, como é agradável ler Maupassant, que vinha evitando por acreditar que ele fosse uma versão francesa de Poe, apesar de sua fama de contista. Besteira minha.
Lá pela metade do livro, um pouco mais, vem Monsieur Parent, outra história bastante elaborada, que vai ficar como um dos mais interessantes desta leitura. Descontado o final que não me agradou muito, mas que é coerente com o resto, poucas vezes li uma história de traição (em que o marido é atormentado pela dúvida atroz: esse menino é mesmo meu filho?) que prendesse tanto minha atenção e só me fizesse parar depois da última linha - foram 32 páginas lidas em sequência ininterrupta.
Segundo Maupassant há mulheres insuportáveis, algumas com "certo cheiro de borracha que nos faz pensar que são guardadas à noite em um estojo." Ele estava falando de uma solteirona inglesa, Miss Harriet, que dá nome a um dos últimos contos da coletânea. Ela não cheirava a borracha, mas era uma mulher estranha, personagem desta bela e trágica história.
O penúltimo conto é bastante conhecido, Horla, e nele pode ser encontrada a mesma atmosfera perturbadora que aparece em várias histórias (extraordinárias) de Poe. Curioso, é que o tal ser misterioso, perturbador, parece ter sua origem no Rio de Janeiro (o que não é para se estranhar muito, devido às inusitadas coisas que aconteciam e acontecem na terra carioca). Encerra o volume O Sinal, uma curiosa (ou engraçada) história de mulheres...
Por fim: quase todas as histórias são ótimas, as outras são boas, as que não citei. Nenhuma é ruim ou regular. É por isso que, juntamente com o russo Tchekhov, Maupassant é considerado um dos melhores contistas de todos os tempos. Um atrativo a mais para ler este volume é que a maioria dos contos foi traduzida diretamente do francês pelo saudoso poeta gaúcho Mario Quintana. Sem dúvida um livro que merece a nota 5,0.