Carol Paim 05/06/2015Imprevisível!Um livro imprevisível, que me remete a palavras como doentio, deturpado e loucura.
Esse livro faz 50 tons parecer conto de fada. Você achou que a dominação ao estilo Amos e Masmorras era demais pra você? Posso te dizer que Amos é um passeio no parque com direito a piquenique, flores e corações.
Eu fiquei horas na frente do computador para consegui organizar meus pensamentos a ponto de conseguir escrever essa resenha. “Porque o livro é muito bom, Carol?” Na verdade eu não sei e esse é o problema. Ainda não consegui definir se gosto ou não dele, mas vamos lá.
Comecemos pela parte da tradução: Se tiver alguém que faça parte do grupo The Rose Traduções, me perdoe de antemão, mas a tradução está péssima. “É fácil falar quando não se sabe o trabalho que dá”, você pode me dizer, mas só vou responder duas coisas. Um, eu sei o trabalho que dá porque fiz parte de vários grupos de tradução e por isso sei o esforço que uma tradução envolve, mas aqui vem a segunda coisa que tenho para dizer sobre a tradução: Se não for para fazer um trabalho bem feito, não faça. Erro de tradução a gente encontra até mesmo em livros lançados por editoras famosas, mas há um limite tolerável para isso, e Tears of Tess extrapolou e muito esse limite. Está ilegível? Não, mas há frases que ferem os olhos.
Vamos para a história.
Você conhece a história? Leu a sinopse pelo menos? Não? Então vou te dar um resumo, o que vai ser um spoiller do começo ao fim.
Tess é uma garota normal, que está fazendo faculdade, namora há dois anos com Brax, mas ela tem desejos sexuais diferentes. Ela nunca teve coragem de contar para o Brax, até que eles viajam para o México e ela resolve pedir por uma pegada diferente ao seu namorado. O problema é que ele é o tipo de cara que faz amozinho gostosinho e depois dorme de conchinha. Ele não é adepto ao sexo selvagem ao estilo “você é minha e eu faço o que quiser com você” que ela quer. Ela quer ser submissa, quer que o namorado a domine na cama e mostre quem é que manda. Só que isso não acontece, ele não pode ser o que ela quer, mas como ela gosta dele, acaba se resignando e fica só com o sexo morno que o namorado pode oferecer.
Até aqui eu tava lendo e pensando: “Ok. Quando ela conhecer o malvadão vai de Síndrome de Estocolmo novamente” (Não sabe o que é Síndrome de Estocolmo? Então dá uma pesquisada no Google.) Então as coisas começam a ficar um pouco mais emocionantes.
Diferente de outros livros, nesse os bandidos não são “bonzinhos” e ela não cai chorando implorando por sua vida. Quando seu namorado é espancado e ela sequestrada, Tess tenta escapar e os bandidos descem o cacete nela. Quando ela responde e cospe na cara deles, ela toma soco na cara. Mesmo depois de ser espancada por se recusar a obedecer, Tess tenta se manter firme em sua postura de lutadora e na esperança de que vai conseguir escapar sozinha. Sim, sozinha. Porque ela acha que o namorado está morto e seus pais não a amam (ela explica a relação com os pais e deixa claro que eles queriam entregar ela para o orfanato pq não gostavam dela). Tendo apenas a si mesma como meio de lutar e sair daquele inferno, ela faz o possível para fugir, só que os planos dela vão por água a baixo quando ela é enviada para seu novo dono.
É aqui que conhecemos o enigmático francês Q. O livro já ganhou um ponto comigo por não descrever o Q como o cara mais gostoso do mundo, ao estilo deus grego. Pra falar a verdade, Tess praticamente não descreve Q fisicamente, mas ela repara nas roupas que ele usa, ternos caros.
Seguindo sua política de não deixar os monstros dobrarem ela, Tess enfrenta Q logo de cara.
Com o desenrolar da história, os dois começam a se envolver. Romanticamente? Não. De maneira nenhuma. Ele quer que ela admita que ela é sua escrava e que ele é o mestre dela, mas ela é teimosa e não cede. Só que ao invés de isso enfurecer ele e fazer com que dê punições terríveis, isso o excita. A luta dela deixa ele excitado e eles começam uma guerra de vontades.
Aqui eu preciso fazer um parêntese. Até esse ponto, eu estava adorando a postura da Tess. Apesar dela se excitar por tudo o que ele diz que vai fazer com ela e que ela reconhece que era isso que ela queria que Brax fizesse, Tess ainda mantém seu ódio pelo que está acontecendo, deseja fugir e matar Q. Não necessariamente nessa ordem. Ela ainda pensa em Brax e sofre porque ela se sente culpada pelo que aconteceu, sabe que nunca mais será a mesma e que não poderá voltar a namorar com Brax depois de tudo o que aconteceu com ela.
Porém eu fiquei com uma pontada de raiva dela quando ela descobre que ela não foi realmente comprada e sim foi oferecida como um suborno. Quando Q diz isso pra ela, a retardada fica triste. Sim, ela fica triste, pois preferia ter sido comprada, pois assim demonstraria que ele a queria e não que ela era um fardo pra ele. Na mesma hora eu pare e pensei: “Oi? Como assim, minha filha? Preferia ser comprada? Alôôôôu? Você comeu titica de galinha quando criança?”
A partir daqui, eu comecei a perceber que tinha algo a mais por trás dessa história. E eu não estava enganada. A vida de Tess se desenrola com Q. Ele excita ela, mas nunca chega aos finalmentes. Ela fica subindo pelas paredes, mas não cede ao domínio dele. Não da forma como ele quer. Até o dia em que ela consegue fugir.
Todos batendo palminhas de felicidade. Uhuuu! Ela conseguiu fugir. Massss... Sempre existe um “mas”. Ela foge, consegue deixar um recado na caixa de mensagem do namorado, porém ao fugir do capanga de Q, ela acaba sendo socorrida por um cara que a ajuda a fugir de carro, oferecendo ajuda para levá-la para a polícia. Masssss... Esquece a polícia baby. Ele não a levou até a polícia. Ele era inimigo do Q e a levou até um lugar distante onde ele e um amigo pudessem estuprá-la. Aqui eu parei novamente, olhei para meu marido e disse: “Porra, essa garota é muito azarada. Pais que não a amam, namorado provavelmente morto, ser sequestrada, ser dada para um dominador e agora estuprada pelos inimigos do dominador. Eu já tinha me matado com a faca do pão. Pelo amor...”
Masssssss... Eis que surge Q, o salvador. Ele chega quando ela está sendo estuprada e mata o cara com um tiro a queima roupa e manda os capangas matarem o outro. E nesse momento Tess começou a ter meu ódio completo, porque ao invés de ver que o cara além de um dominador maluco e um assassino, ela vê nele o seu salvador, o cara que matou por ela, o seu mestre, aquele que nunca iria deixá-la desprotegida. “Oi? Filha, cê bateu com a cabeça? Fumou orégano? Bebeu água da privada? Correeeee...“
Desse momento em diante a história se torna de certa forma ainda mais louca e interessante do que antes, porque a partir desse momento, nós começamos a conhecer a verdade por trás do Q. Ao mesmo tempo em que você sabe que ele tem problemas, você vê um lado dele que realmente se preocupa com ela e quer o melhor para ela, porém essa parte é tipo um por cento dele e quando surge, você fica na esperança de que esse lado delicado vença e seja permanente, só que a romântica em mim toma dois tapas na cara para acordar quando ele começa a se abrir e contar pra ela o que ele realmente gosta e quer fazer com ela.
Não é preciso ser formada em psicologia para perceber que os personagens principais são totalmente perturbados psicologicamente. Tess tem um desespero por amor, por ter alguém que a ame de verdade, que cuide dela e que seja tudo o que ela precisa, que beira à loucura. Ela não é apenas submissa, ela é escrava dos desejos de Q. Desejos esses que provam o quão perturbado ele é.
Não vou contar exatamente, pois perderia a graça do livro, mas posso dizer que se a Anastácia foi embora depois de uma surra de cinto, com o Q ela iria preferir deitar na BR a espera de um caminhão, a passar uma tarde agradável de sexo e submissão. Degradação é uma das palavras que ele usa para definir o que ele gosta e precisa da sua submissa perfeita.
É aqui que está meu problema com essa história. A autora escreveu uma história envolvente, que te faz querer saber o que vai acontecer mais pra frente, mas ela faz parecer normal o que pra mim é anormal. Se eu tivesse 10% dos desejos obscuros desses dois, eu mesma já havia me posto em uma camisa de força. Na hora em que Q diz que se excita ao tirar sangue de Tess, a primeira coisa que pensei foi: “Volta quando eu estiver menstruada, ai nós conversamos. Porque se fosse comigo, cada gota de sangue que tirasse de mim, era uma fatia a menos do seu bilau. Querido. Quer brincar com um chicote? Beleza. Tirar sangue e deixar cicatriz já é demais.”
Ok. Ok. Eu sei que existem sádicos por aí e pessoas capazes de curtir esse tipo de coisa, mas no contexto da história não me pareceu ser um ato consensual e de livre arbítrio. Parecia muito mais uma forma distorcida de amor. Sádicos são sádicos o tempo todo ou eles conseguem se envolver emocionalmente e desenvolver um relacionamento sadio com suas companheiras? Eu não sei, mas sei que era isso que eu queria nesse livro. Eu queria que Q tivesse um lado normal, que iria beijar Tess com carinho e que iria dormir de conchinha de vez enquanto, mas não foi isso que ganhei.
Existem mais três livros depois desse. Se vou ler os demais? Sinceramente eu não sei. Existe um lado de mim que clama por saber o que acontece com eles, mas há outro lado que não quer saber se for pra os ver continuarem a viver dessa forma tão obscura onde o máximo de intimidade que eles possuem é como mestre e submissa. Ninguém pode ser cem por cento dominador, deve existir pelo menos uma parte ‘normal’ e leve. Uma parte da sua vida que é condizente com sua idade de trinta e poucos, que permite que ele sorria, vá ao cinema, a jantares e que consiga fazer um sexo baunilha, pois há prazer inclusive no baunilha.
Nos últimos capítulos há uma indicação de que ele a terá como submissa, mas também a terá como igual, ou seja, ele não vai ser só o mestre malvadão, mas meu cérebro não consegue acreditar muito. Foi por isso que não emendei o livro dois imediatamente após o livro um. Eu não consigo confiar que a autora irá me dar o que eu espero e isso é desesperador. O livro é tão imprevisível que me deixa receosa.
Se eu indico esse livro? Para a maioria das pessoas não, mas se você não tem um coração fraco, a história é muito bem escrita, apesar de ser mal traduzida. Os personagens são bem construídos e não há oscilações de personalidades como vemos por aí. Isso me chamou atenção, pois normalmente os personagens têm variações bruscas de humor e personalidade, mas os personagens desse livro seguiram um cronograma correto de oscilações. Tess não passou do ódio ao amor sem um motivo forte. Apesar de eu ficar com raiva do motivo, reconheço que dentro da mente perturbada dela, aquele poderia sim ser um motivo para fazê-la deixar de odiar com tanto afinco o Q, entretanto o ódio não foi totalmente esquecido e substituído, ele foi abrandando até chegar ao ponto de que foi finalmente substituído.