spoiler visualizarAnnelidea 09/07/2024
Eu disse a vocês no decorrer deste ensaio que Shakespeare tinha uma irmã; mas não procurem por ela na vida do poeta escrita por Sir Sidney Lee. Ela morreu cedo, pobrezinha, nunca escreveu uma linha. Está enterrada no local onde hoje os ônibus fazem parada, em frente a Elephant and Castle. Mas acredito que essa poeta que nunca escreveu uma linha e foi enterrada no cruzamento ainda está viva. Ela está viva em você e em mim, e em muitas outras mulheres que não estão aqui esta noite, porque estão lavando a louça ou colocando os filhos na cama. Mas ela está viva, pois os grandes poetas nunca morrem; são presenças duradouras, precisam apenas de uma oportunidade para andar entre nós em carne e osso. Essa oportunidade, acredito, está agora ao alcance de vocês. Pois acredito que se vivermos por mais um século ? estou falando da vida comum que é a vida real, não das vidinhas isoladas que levamos como indivíduos ? e tivermos quinhentas libras por ano e um espaço próprio; se cultivarmos o hábito da liberdade e a coragem de escrever exatamente o que pensamos; se fugirmos um pouco das salas de visitas e enxergarmos o ser humano não apenas em relação aos outros, mas em relação à realidade, ao céu, às árvores ou a qualquer coisa que possa existir em si mesma; se olharmos além do fantasma de Milton, porque nenhum ser humano deveria bloquear nossa visão; se encararmos o fato, porque é um fato, de que não há em quem se apoiar, e de que seguimos sozinhas e nossa relação é com o mundo da realidade e não só com o mundo de homens e mulheres, então a oportunidade surgirá, e a poeta morta que era a irmã de Shakespeare encarnará no corpo que tantas vezes ela sacrificou. Extraindo sua vida da vida das desconhecidas que foram suas antepassadas, como seu irmão fez antes dela, ela nascerá. Quanto à sua vinda sem essa preparação, sem esse esforço de nossa parte, sem a certeza de que, quando ela renascer, poderá viver e escrever sua poesia, isso não podemos esperar, porque seria impossível. Mas insisto que ela virá se trabalharmos por ela, e que esse trabalho, seja na pobreza, seja na obscuridade, vale a pena."