spoiler visualizarJoão Botelho 01/01/2022
Um livro atemporal
O príncipe afirma sua condição de atemporal onde podemos notar as ações descritas por Maquiavel em diversos momentos da política global atual.
Maquiavel escreve o príncipe com os pés no chão, saindo do mundo ideal onde todos são bons e trazendo o leitor para o mundo real onde coisas ruins acontecem e aqueles com intenções a ações escusas não só existem como geralmente não sofrem por estes, o leitor precisa ter isso em mente para melhor compreender suas palavras e não julga-lo de forma negativa pelo que escreve, Maquiavel também aborda o principado/governo como deve ser: um cargo, uma profissão, um estado e não trata do ser daquele que ocupa tal cargo, abordando então como o governante deve agir com a única finalidade de se manter no poder, sem levar em consideração sua ética pessoal.
Apesar de ver diversas resenhas julgando Maquiavel por isso, acho que tendo em mente as questões que citei se torna mais fácil compreender que Maquiavel não fala sobre a ética pessoal daquele que ocupa o cargo de governante, e que, ao seguir os passos descritos por ele, adaptando-os para sua situação e tempo este pode sim ser um bom governante pois Maquiavel a todo momento, principalmente quando se refere a república, o lembra de nunca buscar ser odiado pelo povo, e deve sempre levar o povo e sua opinião em consideração, assim notamos que mesmo que o motivo para as boas ações do governante para com o povo ser o de se manter no poder, ao fazê-lo o governante acaba por se manter no poder.
Tendo tudo isso em vista, gostaria de comentar certos pontos que me chamaram a atenção durante a leitura:
Quando Maquiavel aborda os chamados principados civis é fácil notar alguns pontos com o cenário político brasileiro, ainda mais entre a questão pandêmica pela qual passamos atualmente e o que Maquiavel descreve como o governo por magistrados e como estes podem causar "caos" no governo ao irem contra as ideias do "príncipe", digo isso sem condenar os chamados magistrados em nossa situação atual porem é inegável que as ações deles causaram certo caos
Posso ver certa semelhança entre o discurso de Maquiavel a respeito das tropas auxiliares com diversas ações estadunidenses em países estrangeiros mesmo que não sejam totalmente iguais, ainda sobre as tropas auxiliares podemos encaixar as forças do crime no Brasil nesta definição, atuantes como forma de poder paralelo ao estado onde este não chega por ser incapaz, seja no quesito operacional ou no quesito de querer e articular sua chegada nas periferias.
Outra semelhança das palavras do autor com a política estrangeira estadunidense é a passagem "... Ele se defende estando bem armado e tendo bons aliados e, se ele estiver bem armado, terá bons amigos...", pode-se notar isto também na atual política chinesa
O trecho "...porque um homem que quer em todas as suas palavras fazer profissão de bondade se perde em meio a tantos que não são bons." vem à tona para dar força ao argumento de O príncipe como um livro voltado ao mundo real, induzindo o leitor a permanecer com os pés no chão e saindo do mundo ideal onde somente fazer a bondade basta, nos lembrando que este é um caminho árduo a se seguir, e somente deve trilha-lo aqueles que tem esta noção da realidade e a aceita evitando assim se ferir na maldade que existe no mundo por inocência e podendo vir a ser consumido por ela.
"Portanto, é necessário, para um príncipe que deseja manter o que é seu, saber como fazer o mal, e fazê-lo ou não de acordo com a necessidade." Maquiavel se mostra por todo o livro muito prático, existem diversas formas de se analisar esta constatação do autor, algo que desejo fazer num futuro próximo depois de refletir mais a respeito, porem podemos ter em mente a ideia de que em um governo com número grande de cidadãos, a questão do que seria o mal pode e vai variar dependendo dos grupos que formam esta sociedade, excluindo claro alguns poucos conceitos em que todos acabam concordando em julgar como mal, a ideia de bom e mal acaba dependendo do ponto de vista, das experiencias e bases morais/éticas de cada sujeito que compõe esta sociedade, se torna assim um conceito abstrato onde o governante que deseja somente fazer o bem, e agradar a todos acaba por não conseguir governar.
Em "Sobre liberdade e parcimônia" vamos além no conceito abordado no parágrafo anterior, Maquiavel fala então sobre como em certas ocasiões o governante pode e talvez deva preferir ser conhecido por algumas qualidades negativas pois suas opostas positivas podem ser a ruína do seu principado (ou governo no nosso caso atual), me levando a refletir a respeito de como encarar algumas ações dos governantes em vez de julgá-las de primeira, um paralelo a isso é o que temos visto na pandemia onde muitos se colocam como sábios naquilo que pouco ou nada conhecem e emitem opiniões sem qualquer embasamento ou reflexão.
Outro ponto que me chamou atenção porem creio não estar apto a discuti-lo no momento é o "... Pois os homens esquecem mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio.", tenho a sensação de concordar com esta afirmação, porem devo refletir mais a respeito considerando quais seriam as causas para que esta frase seja verdadeira e etc.
Um trecho da obra de maquiavel que muito provavelmente fará com que alguns de vocês que possam vir a ler meu texto tenham certa raiva ao meu respeito é o "Um príncipe, dos dias de hoje, que não convém nomear, não prega senão a paz e a fé, e ele é hostil a ambas as coisas..." creio que a frase em si já fica bem clara para aqueles que tem o mínimo de conhecimento do que acontece no cenário político brasileiro independente da camisa que vista, desejo porem deixar anotado aqui outro ponto que coloca O príncipe como livro atemporal que é quando o autor descreve que uma das maiores virtudes que um príncipe deve ter, ou pelo menos aparentar possuir, é a fé.
Ainda sobre a política brasileira vemos o trecho "... Pois aquele que conspira contra o príncipe sempre espera agradar com a remoção dele, mas, quando o conspirador só pode avançar ofendendo o povo, ele não terá coragem de seguir adiante...", e já podemos o relacionar com o impeachment da ex-presidente, e vemos também parte disso nas ações do atual presidente, principalmente no início de seu governo, onde ele tomava determinadas decisões/ações apenas para recuar nelas no dia seguinte, o famoso "vai que cola"
Enfim, consegui bater minha meta de finalizar este livro ainda em 2021 ainda que nos 45 do segundo tempo, como disse anteriormente "o príncipe" se prova um livro atemporal, suas palavras sendo notadas em n ações atuais com até mesmo certa precisão, não posso, porém, deixar de comentar sobre o incomodo machismo apresentado por Maquiavel em determinadas passagens, machismo esse explicado pela época em que vivia porém não sendo justificado de maneira alguma