Kath 12/06/2022
Não foi o que eu esperava, mas...
"O desejo de conquistar é uma coisa muito natural e comum, e sempre que têm a possibilidade, os homens que o fazem são mais louvados que censurados."
Se há uma coisa que aprendi em todos os meus anos de leitura — que compreendem a maior parte das minhas três décadas de vida — foi a aceitar minhas limitações ou completa ignorância acerca de determinados assuntos e, sobretudo, a não me envergonhar disso. E aprendi com a filosofia que a ignorância culmina em perguntas, cujas respostas podem mudar o mundo interno de alguém. Mas minha razão para ler Maquiavel não foi, de forma alguma, a busca de respostas. Houve uma época da minha vida em que busquei respostas para meus questionamentos internos, sobretudo na adolescência quando meu mundo se descortinava em um futuro aterrador que se mostrou real e muito pior do que minha frágil imaginação foi capaz de alcançar, essa experiência me ensinou sobre o erro de buscar respostas e, então, passei a desejar fazer as perguntas certas, assim, de acordo com minha própria diligência, seria capaz de encontrar as respostas e isso está longe do conceito meritocrático.
Minha curiosidade sobre Maquiavel, além do puro desejo de embarcar por leituras diferentes que me são apenas agora acessíveis — e não sei, infelizmente, por quanto tempo —, foi o de pesquisar para uma história que desejo escrever. Apesar do desejo primordial não ter sido atendido de maneira completa, ao didático a leitura encaixou com alguma validade. Meu conhecimento de política é ridículo para não dizer inexistente, culpa minha mesma por nunca ter desejado ir a fundo no assunto desmotivada por uma série de fatores que não cabem aqui. Assim, antes de abrir as páginas de O Príncipe, tinha em mente o pré-conceito de um texto desafiador e difícil como costumam ser os textos de filosofia que geralmente pedem uma base pouco fornecida pela escola. Mas, curiosamente, acabei me surpreendendo.
Embora não tenha lido A Arte da Guerra, já ouvi falar muito sobre esse livro e vi diversas resenhas a respeito, por esse motivo quando cheguei próximo ao quarto capítulo de O Príncipe comecei a encará-lo como uma versão italiana do clássico chinês. Maquiavel discorre em suas páginas sobre os diversos tipos de principados e impérios, seus pontos fortes e fracos, dá conselhos aos príncipes que legam pela hereditariedade seus tronos e para aqueles que desejam erguer-se a esta posição por outros meios (nem todos eles assumidos pela honestidade). Não vou tentar discorrer nessa resenha sobre conhecimentos profundos e leituras de entrelinhas a respeito da obra porque não tenho qualquer base de ciência política e encarei a leitura, inicialmente, como ela se apresentou aos meus olhos: um manual. Escrever um texto cheio de firulas sobre coisas que não compreendo de nada me serviria mais tarde quando fosse consultar essa resenha outra vez e tampouco para outros leigos que, como eu, desejassem ler este livro para satisfazer suas curiosidades clássicas ou por obrigação da faculdade (da qual me livrei, talvez, pelo curso de modo que o li por escolha e não obrigatoriedade acadêmica).
Talvez seja simplório resumir o livro dessa maneira, mas é como ele acabou soando para mim durante esta semana de leitura: um manual de como conquistar e se manter no poder. Usando exemplos de sua época e de impérios e reinos anteriores ao seu tempo, Maquiavel traça um percurso para todos os príncipes que um dia chegarão ao trono pelo "mérito" e para aqueles que o conseguirão pela força, seja ela da violência ou da astúcia. Discorre, assim, sobre os tipos de principado, os tipos de exércitos e as falhas e vantagens de cada um, além do perfil de príncipe que seria capaz de se manter no poder em cada uma das ocasiões em que ascendeu ao poder.
Algo que me chamou atenção até aqui é que ele não julga ou condena nenhum tipo de meio para atingir o propósito. Seja pelos meios pacíficos, violentos, legais ou ilegais, segundo seu "manual", qualquer viés é válido desde que se alcance o fim desejado. Todavia, uma vez atingido o fim independente dos meios, ele afirma que só é possível mantê-lo agindo com justiça e elucida, em diversos pontos do livro, que um príncipe só é capaz de reinar com plenitude se seu povo estiver de acordo com seu governo.
"O príncipe que tem o povo por inimigo dificilmente estará em segurança devudo ao seu grande número, enquanto, ao contrário, a hostilidade dos grandes não o fará estremecer, por serem poucos."
Essa consciência do poder público é tão necessária, especialmente em países como o Brasil, que se fosse universal acredito que nenhuma nação viveria aprisionada pelos governos ditatoriais, opressores e corruptos. Todavia, de acordo com meu entendimento da leitura, o autor se faz controverso por diversas vezes, sobretudo quando defende a conquista pela força e, dessa forma, a aniquilação de todo modo de oposição. Então, o livro pode ser entendido de diversas maneiras de acordo com o conhecimento e posicionamento de quem lê, por vezes, o julguei até subversivo em alguns aspectos, mas são impressões minhas que podem não condizer com a intenção do texto.
Mas minha surpresa veio meio no último capítulo. Isso pode soar como um spoiler, embora não acredito muito nisso, mas por via das dúvidas, pule esse parágrafo. Todo esse estudo empreendido na formação e manutenção de um principado culmina em um apelo! Sim, o livro todo é como uma espécie de manual para o papa Leão X da casa dos Médices com o claro intuito que, pelos meios certos, ele conseguisse assumir e reunificar a Itália da época. Coisa que, segundo o índice cronológico no fim do livro, não aconteceu uma vez que os Médices foram expulsos de Florença em 1527, mesmo ano da morte de Maquiavel. Ou seja, o livro todo é um grande pedido de socorro que não foi ouvido.
Acho a leitura válida? Sim. Embora não tenha sido bem o que eu esperava o livro traz conscientizações que são muito importantes para nós leigos cidadãos e, sobretudo, para entender o funcionamento de uma sociedade como ela deveria ser (mas na prática nunca é), ele joga luz sobre alguns assuntos e levanta questionamentos sobre outros. E, surpreendentemente, não é uma linguagem inacessível, pelo menos não a edição que li. Talvez os pormenores políticos me tenham escapado por ignorância, mas no fim foi uma leitura interessante e leigos ou não em política, acho que todo mundo deveria ter uma opinião a respeito dos pensamentos "maquiavélicos" do autor sobre sociedade e poder.